quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Entre quixotes e sanchos, a realidade quase nunca é o que nos diz ser!

 

Nesta semana, provocado por procuradores do MPF, que atuam na 

Nesta semana, provocado por procuradores do MPF, que atuam na seara de Direitos Humanos, o Magistrado Og Fernandes votou pela possibilidade de responsabilização em sede de ACP (Ação Civil Pública de três delegados de SP, que funcionavam no antigo Departamento de Ordem Pública e Social, DOPS, e que teriam torturado presos ali custodiados.


A referida ação dos procuradores e a decisão do juiz estão, salvo melhor juízo, eivadas de erros, apesar das boas intenções.


Vamos ao estudo do “caso”.


Primeiro erro, a avaliação política, e por consequência, de natureza constitucional:


Temos um entrave insolúvel, desde que o STF (sim, sempre ele) reconheceu a Lei de Anistia (uma aberração jurídica).

Esta decisão fala muito do STF e da sociedade onde ele se insere, claro, mas vai além.

Note você, leitor, que durante as ditaduras na América Latina, todos os governos militares nunca foram admoestados, salvo por pequenos "puxões de orelha", aqui e acolá, nos órgãos multilaterais, sejam eles regionais (OEA), sejam os globais (ONU).

Ou seja, o mundo ocidental, capitaneado pelos EUA, estes órgãos, que reivindicam serem instâncias de pacificação e preservação dos direitos humanos, aceitaram o que se fazia aqui (apesar das frequentes e recorrentes notícias dos exilados e torturados de que havia graves violações neste e em outros países), desde que os militares não extrapolassem seus atos ao conhecimento mundial, ou que "errassem" os alvos (caso Rubens Paiva e o Stuart Angel, por exemplo), ou enfim, que fizessem "cagadas" como o Riocentro.


Assim também entendeu o chamado mundo jurídico, que permaneceu domesticado e silente em todos os regimes de autoritarismo (explícito e formal) no Brasil. Desde sempre!


Já Cuba, desde a década de 60, e agora recentemente a Venezuela, na presença de supostas violações (cujo mérito da existência não cabe discutir aqui) receberam tratamento diferente.

Assim como recebe Israel.

Ou a Arábia Saudita.


Claro, a conjuntura e estruturas políticas se movem, inclusive interna corporis, mas o ethos autoritário de violento de nossa Justiça (e da sociedade) permaneceu intacto, vide a ratificação da famigerada Lei de Anistia.


Então, sem relativizar os direitos humanos, é preciso SIM dar-lhes a historicidade necessária.


Nossa sociedade, nosso judiciário, nosso MP aceitam, e sempre aceitaram, por ação e/ou omissão, a tortura como meio de: imposição de valores políticos e/ou como imposição de políticas criminais e de segurança pública!

Isso é fato!!!!


Lutam tais procuradores não contra entendimentos isolados, mas com um consenso, de cima a baixo na pirâmide social, que é relevante e histórico!!!


Porém, tanto eles, quanto o magistrado em questão, erraram feito, e deram sopa para as defesas dos réus.


Além deste erro de entendimento da História, e na ingenuidade condescendente com seus pares, o problema é jurídico mesmo, e aqui vai uma crítica ao trabalho dos procuradores, menos pelas intenções, mas muito mais pelas ações equivocadas.


A lei de improbidade é de natureza híbrida, e portanto, visa a reparação e cessação de danos provocados por atos de improbidade, apenas por servidores públicos ou entes assemelhados, tanto do ponto de vista coletivo (contra a administração e o Erário), mas também no aspecto subjetivo das condutas pessoais de enriquecimento ilícito, por exemplo (aspecto penal).


Assim, se o STF reconheceu a validade da Lei de Anistia para atos praticados durante a ditadura, a responsabilização subjetiva e em primeiro conhecimento pelo Juízo das condutas dos servidores em questão, procurando imputar-lhes penas de natureza sancionatória não-administrativas (perda de cargos e cassação de aposentadoria) são, como já se sabe, de viés PENAL, e não podem mais ser alcançados pelas sentenças em sede de ACP (ações civis públicas).


Outro tema complicado é a perda de aposentadoria, porque isso implicaria em primeiro desaposentar o servidor para submetê-lo a processo administrativo e então promover, se fosse assim direcionada a decisão nestes processos extra-judiciais, a demissão do servidor.


Mas o princípio comezinho de Direito nos informa: quem pode mais, pode menos, ao mesmo tempo: quem não pode mais, não pode menos.

Explico:

Se a lei garante a não punibilidade penal, não permitirá sequer a persecução administrativa!

Em outras palavras, se o réu não pode ser condenado pelas torturas, não pode ser demitido por elas.


Em outra instância, caso fosse possível, a cassação dos proventos de aposentadoria só seria possível com a devolução corrigida e com os devidos cálculos autuariais de amortização para o cassado, para não incorrermos em enriquecimento ilícito do Estado e/ou dos fundos de pensão.


O dinheiro do aposentado não pertence mais a esfera jurídica do Estado, não propriamente, por isso é indevido cassar tais recebimentos.


Enfim, temos a única chance de responsabilização, essa sim no campo apenas cível, de indenização!


Mas esta indenização tem que ser perseguida em primeiro plano em desfavor do Estado, que é o ente jurídico objetivamente responsável pela incolumidade dos cidadãos sob sua custódia, e pelos danos causados pelos seus servidores.


A culpa pessoal destes servidores só é aceita em ação de regresso, quando o Estado vai atrás do servidor para provar que ele deu causa ao dano (neste caso a tortura), e deve ressarcir os cofres públicos na medida da sua parcela de responsabilidade.



Enfim, tudo isso acima se resolve com um ato simples: Congresso revoga Lei de Anistia, ou STF muda seu entendimento e a invalida!


Enquanto esse delírio não for possível, e a sociedade, Congresso e o STF continuarem a reafirmar sua fé na impunidade de torturadores, a luta quixotesca dos procuradores vai sempre mirar nos moinhos errados!

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