quinta-feira, 29 de outubro de 2020

O pulso ainda pulsa!!


Mais um truque do governo federal passou batido pelas forças políticas que reivindicam oposição à ele.

O chamado decreto de privatização das UBS, entendido como mais um ataque ao SUS, com o objetivo de acabar com este serviço "universal".

Sim, de certa forma o decreto é mais um golpe, mas a bem da verdade, o SUS nem é público, nem é universal, me perdoem.

A esquerda apalermada engole os slogans da direita, e depois passa anos defendendo algo que só existe como uma imagem, uma miragem.

Como a peça de propaganda do refrigerante Sprite aí em cima, que pode estar na memória dos mais velhos como eu.

O fato é que o SUS, como todo e qualquer chamado direito ou serviço público, no arranjo constitucional no sistema capitalista, pode até levar o nome de "público", ou "universal", ou ainda, "estatal", mas são destinados a cumprir as mesmas hierarquias de classe.

Explico:

As escolas públicas, por exemplo.

Só os incautos defenderiam a ideia de que tais instalações funcionem de forma isonômica, onde os alunos da periferia mais pobre, logo requerentes de atenções específicas e instrumentos e equipamentos correspondentes à tais demandas, recebam tal atendimento pelas políticas públicas de educação.

É certo que todos sabemos que as escolas melhores das redes públicas, inclusive aquelas que recebem os professores mais interessados são as escolas centrais, e que atendem quase sempre um público de origem de classe (e cor) bem diferente daqueles da periferia.

Sim, quase ninguém deseja ganhar pouco para se esfolar nas periferias ou zonas rurais, é natural, pois é antes uma questão de subsistência.

Geralmente, tais escolas mantêm em suas equipes os professores iniciantes ou aqueles "exilados" (sem "padrinhos").

Logo, as escolas centrais terão os professores mais experientes e mais interessados, justamente aqueles que conquistaram o direito de remoção por mérito, e vão atender nestas escolas mais centralizadas os filhos das classes (mais altas) que ocupam os melhores locais das cidades (os centros e bairros mais bem aparelhados).

Exemplos?

Em Campos dos Goytacazes, o Liceu, em Macaé, a Escola Luiz Reid, e etc.

E as universidades, reduto da esquerda?

Até hoje, em 2020, um censo nas melhores universidades e melhores cursos vai revelar que o atendimento estatal é reservado aos mais ricos e brancos.

Se formos para a pós-graduação e pesquisa avançada (mormente nos setores de alta tecnologia, exatas e pesquisas médicas), nem precisa de escrutínio, a verdade é clara, bem clara como a cor da pele dos estudantes e pesquisadores.

Outro exemplo, que de tão óbvio nos parece até piada, é que as pessoas insistem em dizer que há alguma universalidade e/ou atendimento isonômico ao público: A Justiça.

(Ressalva importante: não cair no truque da "igualdade", pois nada há de mais injusto que tratar os desiguais de forma igual, e nossa CRFB traz como princípio o tratamento isonômico, ou seja, aos desiguais na forma de sua desigualdade - risos).

Nem preciso martelar na questão da aplicação de penas criminais de forma seletiva, classista e racial. Isso já está até chato. 

Vamos falar de outros ramos do "mercado judiciário", as ações cíveis, ou de outra natureza.

Apesar da proclamada gratuidade aos mais pobres, o fato é que a prestação jurisdicional atende aos mesmos parâmetros de todo atendimento público no Estado capitalista.

Quem tem grana consegue ter suas pretensões pelo menos ouvidas.

Se estas pretensões não são todas atendidas (embora seja bem provável que sejam), pelo menos são conhecida por todas, ou mais instâncias da estrutura do Judiciário.

Enquanto aos mais pobres é oferecida a jurisdição de piso, ou pior, nos juizados especiais, uma espécie de fast-food judicial, ou seja, a sociedade tem a impressão de satisfação, mas o que ganha ao longo prazo é o "entupimento de artérias", quando o acúmulo da litigância dos mais pobres acaba por sobrecarregar estas instâncias que deveriam ser mais rápidas (como um entupimento).

Então, nem rapidez é mais oferecida, como uma lanchonete de uma franquia qualquer em local de grande evento.

Os juizados foram uma espécie de pré-tabelamento de direitos e pretensões, onde a troco de celeridade, as elites capitalistas, tão bem representadas nos entes legislativos, tribunais e outros convescotes, convenceram os litigantes (as partes mais pobres) a aceitarem menos, quer dizer, bem menos.

Estas partes mais pobres poderiam angariar em um processo ordinário sério, desde que os juízes tratassem de forma isonômica estas  partes litigantes, como fazem quando as demandas dos mais ricos lhes são apresentadas.

Como pobre não paga seminário de juiz em resort na Costa do Sauípe/BA, nem paga palestra de juiz-ministro ou procurador-estrela a peso de ouro, venderam a ideia de que já que não posso te servir um prato de Justiça chique, te dou um pão com ovo de Justiça.

Agora nem pão, nem ovo, quem sabe, um copo d'água.

Tudo isso patrocinado (todos estes argumentos) pelos escritórios das grandes bancas e grandes departamentos jurídicos das grandes empresa, que para não sermos levianos, diremos apenas que o lobby foi no campo intelectual e doutrinário.

As empresas, deste modo, ao invés de cumprirem contratos, de respeitarem os contratos através de correção de seus erros administrativos e de gestão, entendem ser bem mais barato tornarem as vidas dos seus consumidores (principalmente os mais pobres) um inferno.

Entre eternas ligações aos centros de atendimento (quando atendem a chamada) e a judicialização destes conflitos, as empresa sabem que podem contar com sentenças baratinhas no balcão dos juizados especiais.

Encerrando temos as chamadas empresas estatais.

Vejamos a Petrobrás.

Seus trabalhadores e boa parte da esquerda imaginam que aquela empresa é, de fato, uma estatal, apenas porque ela ainda possui a outorga da União para prospecção de reservas de hidrocarbonetos (o que ainda resta).

No entanto, a conformação societária da empresa, suas ações corporativas indicam que ela é tudo, menos estatal, tanto é verdade que na simples mudança de orientação política dos governos, mudam as diretrizes administrativas e econômicas da S/A.

Porém, seja na esquerda ou na direita, a política de preços e investimentos sempre esteve à serviço dos setores empresariais, funcionando como um vetor de concentração de renda, quando retira dos preços dos produtos destinados ao público não-corporativo os recursos para subsidiar a atividade empresarial, e pior, sem nenhum plano estratégico para determinar se estes subsídios estão, de fato, contribuindo para as dinâmicas econômicas pretendidas.

O SUS está no mesmo bolo.

Não é universal, porque não está distribuído universal e isonomicamente pelo país, pois concentra-se no Sul-Sudeste seus melhores equipamentos e profissionais, assim como esta divisão desigual se espalha dentro das cidades, ou seja, áreas mais pobres detêm atendimento pior em relação às áreas centralizadas.

Não é público, porque subvenciona a iniciativa privada, quando não recebe os valores indenizatórios devidos pelos planos de saúde quando o SUS atende os segurados daquelas empresas (é lei!), ao mesmo tempo que sai da verba da saúde as deduções e restituições de impostos (IRPF) às classes média e rica.

Não é estatal, porque o gerenciamento do SUS, em maior ou menor medida, está contaminado de cima a baixo pela privatização "mingau quente" (que se come pelas beiradas), com emprego de toda sorte de terceirizações, contratualizações (rede "pilantrópica"), e as famigeradas OS, entes sem fim lucrativos (outra piada) que administram boa parte da rede primária e secundária do SUS, chegando até em alguns setores de alta complexidade.


Por fim, o SUS é "refém" de um sequestro de grupos organizados, desde médicos, com suas reserva de mercado que começa na monopolização cartelizada e privada da formação médica.

Nosso país é um dos que menos formam médicos, no cômputo geral e olhando as universidades públicas este número é ainda mais dramático.

Comparado aos países tamanho e economia parecidos, nosso país além de formar menos médicos, tem elevada taxa per capita de gasto na formação de cada um deles.

Este fenômeno leva a uma sobrevalorização da carreira, ao mesmo tempo que aumenta o potencial de concentração destes profissionais nas regiões mais ricas, porque senso a formação caríssima, é quase certo que os médicos desejem recuperar rapidamente o "investimento".

Ao lado destes problemas está a indústria da especialização médica, que é resultado direto da concentração geográfica e da formação acadêmica influenciada pelas corporações e elites médicas.

Em breve teremos um médico que cuida de lesão do lado esquerdo do coração, e outro para o lado direito.

Esta condição traz um sobrecarrega o SUS com demandas por exames e procedimentos, quando a OMS nos diz que a solução (ao menos em 60% dos casos) é atendimento clínico e exames baratos e de baixa complexidade (como hemogramas, e raios-X).

Esta especialização anda junto com outro bando, o das empresas de tecnologia de diagnóstico por imagens, que ajudam a criação desta falsa demanda, deste a formação dos médicos e pesquisadores, sob a desculpa de ajudarem a salvar vidas, quando investem nos laboratórios de pesquisas médicas avançadas, que depois solicitarão seus caríssimos equipamentos nas redes públicas.

Tais processos, como todo funcionamento das redes econômicas capitalistas não distribuem a todos os envolvidos os mesmos prêmios, e por óbvio, alguns médicos já percebem que houve uma padronização e proletarização da atividade médica, com alguns muito bem sucedidos, enquanto a maioria chafurda entre quatro, cinco ou até seis vínculos, desdobrando-se em dezenas de plantões.

Ok, tudo bem, mas eu pergunto: 

Será que o acesso a tais sofisticados meios de diagnósticos e tratamentos prognosticados por ultra-especialistas estarão ao alcance de todos, aí incluídos os mais pobres?

Certamente não.

Serão atendidos os que conseguirem ultrapassar os "filtros", agora pomposamente chamados de SISREG, ou Sistema de Regulação, e que nos vendem a mesma ilusão de incorruptível distribuição de vagas (como a tolice das urnas do TSE  - novamente, risos), enquanto os mais ricos e seus planos de saúde terão estes procedimentos sempre disponíveis nas redes contratualizadas, que usam a verba SUS para aquisição destes equipamentos, e atendem de forma desigual os pacientes segurados e "públicos", quando não vendem diretamente aos pacientes privados, que sabemos, descontarão as despesas no IRPF.

Fechando este ciclo, claro,  mais poderosa máfia, a da indústria farmacêutica, ela mesma a precursora e maior operadora deste sistema de criar o problema e vender a solução.

Desde o uso incentivado e criminoso de antibióticos, através de sedução e assédio dos médicos pelos propagandistas e seus vastos orçamentos de suborno, até a influência na pesquisa médica do mesmo modo que as empresas de diagnóstico por imagem, só que com um alcance muitíssimo maior e mais prejudicial aos sistemas públicos de saúde do mundo todo.

Detalhe: hoje em dia, o exército de propagandistas das farmacêuticas, que manipulam enormes verbas de suborno, são mulheres de ótima aparência.

Quanto sutileza, não?

Claro que não podemos abrir mão do que temos, mesmo com todas as imperfeições descritas acima, mas o fato é que a defesa genérica de modelos chamados de públicos, estatais e universais, que de públicos, estatais e universais nada têm, é irracional e só favorece o aprofundamento das distorções e da disseminação de um discurso baseado na frustração da maioria excluída, que de certa forma representa uma parte da realidade:

O SUS não atende a todos da mesma forma, e é mal gerido.

Estas são meias verdades, que acabam por justificarem o ataque ao SUS pelos interesses privados.

Na verdade, o SUS, como toda política pública no sistema capitalista, é feito para aumentar as desigualdades e para excluir, enquanto engorda o caixa das corporações que o parasitam, embora dê a impressão de que tais distorções sejam erros (gestão) problemas "morais" (corrupção), ou enfim, impossibilidade de que algo que seja público seja eficiente.

O pulso ainda pulsa...e parafraseando a peça de propaganda:

Imagem é tudo, saúde não é nada...


 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

O mito, o hábito e o círculo.

Acossada pelo ataque midiático recente ("a onda conservadora"), a esquerda mundial parece entorpecida com os avanços eleitorais últimos na Argentina, Bolívia, o rerranjo constitucional chileno, e na provável volta do grupo político de Correa no Equador.

Movimento recente aconteceu na Europa, com a retração de alguns nichos da extrema direita na Alemanha e França, e avanço dos chamados progressistas-ambientais-identitários, só que por lá a euforia foi um pouco mais discreta, talvez pelos humores locais, e/ou talvez pela descoberta de que no capitalismo, o "buraco é sempre mais embaixo".

Daqui de tão longe não dá para saber.

Pois bem, em especial a esquerda do cone sul, justamente aquela que mais sofre com a proximidade do segundo maior país capitalista do mundo, os EUA, que secundam a China atualmente, se lançou a um desvairado surto de auto-estima.

Plenamente justificável, mas já está na hora de recobrar o bom senso, sob pena de incorrer naquela conhecida gangorra bipolar, que nos joga em um estado de depressão política.

Equilibrar as emoções é urgente, primeiro para entender que a chamada "onda conservadora", vendida pela mídia corporativa, agora potencializada pelas empresas de redes sociais, nada mais foi que uma "restauração" ao estado de sempre, ou seja, desde 1789, como já repetimos, ad nauseam, o modelo de representatividade e institucionalidade dos Estados Nacionais SEMPRE estiveram à serviço da conservação do status quo capitalista, sem nenhuma brecha que seja se alternância de poder.

Mesmo com as revoluções de 1917 (URSS) e de 1949 (China), e depois a cubana em 1959, o que sobreveio destas rupturas foi um modelo planificado de mercados, mas com as formas organizativas da produção (trabalho) intactas do modelo anterior, o capitalista, e foi justamente esta a causa principal do fracasso das chamadas experiências de "socialismo real".

No campo político, estas experiências somaram a estas causas econômicas um sufocamento de liberdades individuais, que trouxe um colapso das estruturas sociais, mesmo com enormes avanços reconhecidos no campo dos serviços estatais básicos (educação, saúde, segurança, etc) e altíssimo investimentos e avanços tecnológicos e científicos.

Ao redor disso tudo, o fato de que sobreviver com modelo destes tipos dentro da universalidade e assédio global capitalista era impossível.

Ou seja, o conservadorismo sempre foi hegemônico, e a chamada "onda conservadora", aproveitando as plataformas tecnológicas disponíveis de interação, nada mais foi que a volta à normalidade, mesmo que os chamados governos de esquerda (na verdade, colchas de retalhos de coalizões frágeis) não tenham sequer arranhado aquilo que os conservadores vivem para conservar: o modelo capitalista de acumulação de riquezas.

Mas o slogan "onda conservadora", além de renovar a arcaica agenda liberal (que de liberal só tem o nome, pois vivem às custas do dinheiro do Estado), também dá a esquerda anestesiada a (falsa) impressão de que há uma alternância permanente, que o sistema representativo funciona, e que a saída é por aqui: eleições, alterações constitucionais, etc.

Tudo isso até a próxima "restauração" conservadora (golpe).

Vejamos o caso do PT, no Brasil, que a mídia condenou à "acachapante derrota" pela "onda conservadora".

Vários mitos foram criados, e todos eles tão úteis que perdemos séculos debatendo estas asneiras:

1- Mito dos erros e da auto-crítica: A justificativa para interrupção forçada dos governos de esquerda (corrupção, pedaladas, etc) é sempre exclusiva para este objetivo, ou seja, não valem quando estes delitos são cometidos pela direita.

Os "erros" da esquerda são capitais, enquanto os mesmos erros para a direita são apenas circunstanciais, ainda que os dados estatísticos revelem que a gestão do capitalismo pela esquerda sempre foi mais eficiente.

Logo, a esquerda precisa se redimir do pecado (auto-crítica), renunciando aos métodos da direita (porque só a direita pode usá-los), e que sem tais métodos, a esquerda nunca conseguirá disputar em pé de igualdade, já que os sistemas eleitorais capitalistas são capturados pela enorme necessidade de financiamento.

Como dinheiro não nasce em árvore, e quem financia quer reembolso (there's no free lunch), resta-nos a hipocrisia moralista, que é vitamina para a direita, e veneno para esquerda.

2- Mito da derrota do PT: Apesar de todas as estatísticas eleitorais apontarem a certeza de que o eleitorado fiel ao PT e a esquerda nunca ultrapassou mais de 40% (quando muito), o que se confirmou nas últimas eleições, a mídia vendeu a ideia de "clamorosa derrota", como se não estivéssemos na frente de quadro semelhante desde 1989, quando somados os eleitores de Lula, Brizola, e até de Covas, quando ali o PSDB ainda tinha uma casquinha de progressismo, temos algo em torno de 40 a 45%.

Desde 1982, o PT experimentou o crescimento ou manutenção de sua base parlamentar no Congresso, apesar da crise de 2006 (ação 470) e agora com a farsa-jato em 2014/2018.

Seu pior resultado, agora em 2016, foi no executivo das cidades, principalmente pela debandada dos quadros, que levou a uma retração de candidatos, e não pela derrota eleitoral em si.

3- Mito do anti-petismo: Outro argumento que não se sustenta, tanto pelos números já citados, tanto pelo fato de que não se pode reduzir o ethos conservador brasileiro ao chamado ódio ao PT, já que o antagonismo oferecido pelos conservadores não é a uma legenda específica, mas sim a toda e qualquer plataforma política que apresente propostas de alternância ao modelo concentrador de renda atual, e todas as injustiças sociais que dele derivam.

De fato, vender esta ideia falsa é fácil, porque o PT hegemoniza hoje esta agenda, mas no entanto, todos os partidos chamados progressistas que simbolizem estas pautas sofrerão o mesmo ódio, bem como aqueles que optam pelos chamados movimentos identitários.

4- Mito de que Lula e Bolsonaro são as faces extremas de uma mesma moeda: Este é pretensiosamente mais sofisticado, e nasce de outra vertente canastrona da baixa sociologia (não que eu ache que haja uma de alto nível), aquela que criou a tese do populismo, baseado em falsas premissas e, claro, falsas conclusões.

Reduz os fenômenos de comunicação como acima da História que o justificam (retiram sua historicidade), e denominam toda e qualquer vertente de capacidade linguística de comunicação com grande contingentes de pessoas ("o povo", seja lá o que esta categoria uniformizadora queira dizer) como maléfica e a serviço de um mesmo objetivo: o poder pelo poder.

Ora, dentro de uma lógica, só haveria um poder pelo poder, e é justamente aquele que estrutura um modelo que quer se perpetuar como última etapa evolutiva da Humanidade, O Capitalismo.

Porém, nem aí se encaixa esta definição pobre (poder pelo poder), já que mesmo dentre os conservadores, há relação de causa e efeito históricas nos movimentos de massa (como fascismo, nazismo, integralismo, etc).

Na construção deste "mitos" do populismo, a direita e sua mídia retiram qualquer contexto destes personagens, e simplificam-nos em uma embalagem, para sequestrar a realidade em um aparente dilema:

Para afastar os males dos dois extremos, oferecemos o meio.

Só que este meio termo é sempre uma derivação comportada do mesmo conservadorismo extremado que a direita colocou no poder, justamente com a desculpa que iria combater o extremo da esquerda.

Pois é...um luxo não?

Devia nos interessar menos se Bolsonaro ou Lula falam mais ou menos o dialeto eleitoral das camadas mais pobres, ainda que seja preciso dizer que há uma distância colossal no conteúdo das narrativas entre os dois.

O que interesse é a quem servem estes personagens, em que contexto histórico estão, e qual projeto de poder pretendem.

Me preocupa muito mais que o governo Lula recoloque no comando da Economia um tipo de Palocci, para sossegar a direita e o mercado, e que nisso se pareça muito com o Bolsonaro e seu posto Ipiranga.

É essa questão que está em jogo, quando diz a mídia que os dois são iguais, pois o que desejam é controlar os movimentos políticos dos dois lados, como forma de garantir que com um ou com o outro, ou ainda com algum tipo de governo de centro, a direção da Economia seja a mesma!

São estes mitos que aprisionaram a capacidade cognitiva da esquerda, e que pelas manifestações atuais sobre as vitórias eleitorais no Chile, Argentina, Bolívia, etc., desconfio que não sairemos do lugar.


Olhemos, por exemplo, o modelo dos EUA, para o qual todos os olhos se voltam neste momento de escrutínio eleitoral.

Após duzentos anos, a pauta política por lá toca em tema sensível, que é o colégio eleitoral e a desproporção de representatividade entre os distritos conservadores minoritários e os mais progressistas, que são majoritários, aquilo que eles chamam de gerrymandering.

Junto a este debate, outros acessórios, como financiamento, impedimentos legais para negros, latinos e outras minorias, etc.

Na outra ponta, o candidato à reeleição e sua turba esticam a corda em estilo conhecido, questionam a eleição, e participam dela, justamente para auferir um resultado político importante e manter tensionada a sociedade e um novo governo democrata:

Se ganham os republicanos de Trump, foi porque a força deles superou até as fraudes.

Se perdem, foi porque não conseguiram vencê-las.

Roteiro parecido com o que emplacou aqui Aécio Neves em 2014.

Mesmo nos EUA, onde as discussões sobre representatividade, normas eleitorais e financiamento parecem mais adiantas, a chamada esquerda de lá (parte dos democratas e todos os demais) não consegue enxergar a armadilha, e legitima também o jogo, imaginando que a mudança do sistema eleitoral estadunidense trará alteração significativa nas estruturas de poder, e na impossibilidade de alteração delas.

A esquerda latino-americana, antes de comemorar as vitórias eleitorais (de Pirro), deveria perguntar permanentemente: 

O que nos trouxe até aqui, a esta eterna tarefa de Sísifo, onde a cada vitória dentro das regras, as regras mudam, seja dentro dos limites institucionais, sejam por rupturas (golpes)?

        Como avançar para alterar estruturas de poder, se a cada degrau     que subimos nesta escada, são suprimidos outros três abaixo dos     nossos pés, aumentando a altura do objetivo?

Até quando personificaremos Sísifo?



 


segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Capitalismo e luta de classes para crianças e outros iniciantes.



Neste último final de semana, manhã de sábado, após tentativa infrutífera de assistir algo de interessante, e indisposto para iniciar algum filme que exigisse mais tempo diante, lancei-me à arqueologia de memória, e me deparei com ótimos exemplares de animação, aquilo que as pessoas com mais de 45 anos, como eu, chamavam de "desenho animado".

Sempre me espantei com duas constatações:

1- Os criadores destes filmes detinham um arsenal de inventividade espetacular, pois como explicar a estética de uma Pantera Cor de Rosa, ou Pernalonga?

2-A partir desta assertiva acima, é bem provável que sempre houvesse alguma mensagem política embutida nos aparentemente inofensivos filmes de animação.

Dentre todas as simbologias e teorias de conspirações embutidas nestas peças de animação, a que sempre me chamou atenção era o Coiote e Papa Léguas.

Nos Simpsons, apesar de sua complexidade, estas teorias são mais explícitas, como uma meta-linguagem, enquanto no Coiote e Papa Léguas, a aparente simplicidade da trama me parece um paradoxo de sofisticação narrativa.

Revisitando o desenho animado neste último fim de semana, não pude deixar de confirmar que esta percepção, mesmo que os personagens e seus roteiro sejam bem antigos, mas que se adaptam como uma metáfora exata do sistema capitalista, seus modelos de representação política e seus sistemas de lei, e por fim, suas dinâmicas de classes.

Já no domingo, assisti um documentário em um streaming sobre as manobras permanentes das elites estadunidenses para afastar milhões de cidadãos daquele país, a esmagadora maioria pobres, pretos, latinos e nativos (índios), do direito ao voto.

Todas aquelas cuidadosas entrevistas, todos aqueles dados, tudo que foi reunido para provar que, de fato, a chamada democracia dos EUA nunca contou com efetiva participação popular, poderiam ser representadas em um "desenho" do Coiote e Papa Léguas.

O mesmo se aplica ao Brasil, e a tantos outros países capitalistas, onde cada qual com sua História e processos políticos, nunca permitiram (e nunca permitirão) que haja alguma alternância real de poder nas estruturas que mantêm este modelo de organização econômica, que passou a conter em si todas as outras formas de sociabilidade, reduzindo tudo à noção de mercadoria.

O primeiro ponto que chama a atenção no desenho animado Papa Léguas é a permanência.

Explico:

O cenário é sempre o mesmo (deserto), e os personagens não alteram seus papéis (um persegue o outro foge), ao mesmo tempo que a dieta do suposto predador permanece sempre a mesma.

Ou seja, não há qualquer chance de alteração de papéis, nem alternativa ao suposto predador de se alimentar com outra presa.

Esta característica se associa diretamente a outra:

O predador (Coiote) é o vilão, enquanto o pássaro (Papa Léguas) é o herói.

Nesta luta, o Coiote precisa sempre de muitos recursos e estratagemas (política), pois sua condição não é suficiente para alcançar o pássaro, enquanto este último é uma força espontânea, imutável e insuperável da natureza, que não precisa de nenhuma relação com o ambiente, e basta em si mesmo (mercado, representados nas suas elites).

Essa noção revela que aqueles que lutam pela sobrevivência (comer) estão sempre em condição inferiorizada no imaginário, e mesmo que usem de todos os métodos (política, movimentos sociais, etc) ainda assim nunca conseguirão seu objetivo.

Ainda que o Coiote siga todas as regras, monte todas as armadilhas seguindo uma lógica e todas as leis, no caso do filme, as da física, quando a perseguição se desenrola, as pedras rolam ao contrário da força (lei) da gravidade, espelhos não se encaixam nas leis da óptica, explosivos nunca tenham eficiência esperada, etc.

Mais ou menos com a esquerda mundial e os setores chamados reformistas.

Mesmo que sigam todas as regras partidárias, mesmo que se encaixem e respeitem todas as instituições, e mais ainda, mesmo que nunca tenham ameaçado, nem de longe, a hegemonia capitalista e as estruturas que o mantêm, ainda assim, sempre ocuparão a mesma posição relativa no edifício de poder capitalista.

A esquerda reformista, como o Coiote, sempre fica com os talheres nas mãos, com os pianos precipitados em enormes desfiladeiros sobre as cabeças, com os explosivos nas mãos, ou atropelados por caminhões da ACME, reificados nos golpes cívico-militares,  as bombas semióticas da mídia, o partidarismo dos órgãos judiciários (lawfare).

Sejam nas rupturas dramáticas experimentadas nos países mais pobres, da África, Américas Central, do Sul, Sul da Ásia e Oriente Médio, sejam nos modelos partidários e eleitorais, como os dos EUA, ou da GBR, o fato é que o Papa Léguas (mercado e suas elites) subverte todas as regras e leis, sempre que o Coiote (classes mais pobres e seus representantes da esquerda) se aproxima.

Resta a esquerda mundial entender que enquanto aceitar esse roteiro imutável, com regras que se alteram a cada momento no qual ela parece chegar mais perto do objetivo, enfim, enquanto aceitar seu papel de Coiote, e mantiver a mesma "dieta", não pode esperar resultado diferente, ou seja:

Bip-bip.





terça-feira, 20 de outubro de 2020

Campos dos Goytacazes: entre o terrorismo fiscal e o populismo acadêmico!

 Todos sabemos que uma narrativa nunca é resultado de interesses lineares ou de uma única fonte.

A expressão discursiva humana contém sempre múltiplas faces, que lógico, vocalizam vários interesses e posições, algumas contraditórias, outras coerentes entre si.

Atualmente, como resultado do intenso debate político nacional, e das eleições municipais que se inserem nesta agenda, está em curso a elaboração e/ou a reformulação de algumas ideias sobre gestão pública, que eu gostaria de resumir dentro do meu vulgar conhecimento.

Não raro, e Campos dos Goytacazes não é exceção, os setores de mídia buscam a legitimação da ideia de que não há saída para a gestão orçamentária das cidades, ao mesmo tempo que buscam em alguns nichos universitários o eco à estas premissas.

Todos estes canais empresariais de mídia estão sempre comprometidos com o conservação das estruturas de desigualdade geradas pelo capitalismo, do qual são parte integrante como negócios empresariais, e determinantes no edifício de controle ideológico das classes em conflito.

Sabemos, de antemão, que tais teses não são falsas per si, pois há sim algum estrangulamento nas gestões orçamentárias, mas o problema é apresentar tais questão como insuperáveis, ou pior, apenas superáveis pela adoção dos mesmos remédios do arrocho fiscal, que já se comprovaram venenos para a maioria das populações.

Então, fieis a tática de contar uma mentira a partir de uma meia verdade, as mídias identificam o problema, mas submetem-no à apenas uma forma de solução, e simultaneamente escondem as reais causas deste estrangulamento fiscal.

Este movimento ganhou o nome de terrorismo fiscal, justamente por aquele setores progressistas que sabem que a gestão do Estado brasileiro não pode ser resolvida pela agenda liberal "tecnocrata".

Aliás, vou além e digo que a gestão do Estado capitalista pode ser representada fielmente no Mito de Sísifo.

Me filio a tal movimento.

Vejo que na cidade de Campos dos Goytacazes, vastos segmentos da chamada "Academia" ingressaram nas fileiras do terrorismo fiscal, enquanto outras, um pouco mais comedidas, trilham o caminho do populismo acadêmico.

Explico.

Acreditando que receberão alguma forma de empoderamento político (que serão chamadas a intervir com seu capital intelectual na gestão política das cidades), estes setores populistas da Academia criaram uma tese alternativa, mas que na verdade é apenas complementar ao terrorismo fiscal, um tipo de sofisticação.

Este truque aparece bem no texto do "ólogo" zé da cruz, publicado hoje do Blog do Marcos Pedlowski, a quem tenho como rara exceção neste meio de iludidos que se creem espertos.

O texto do "ólogo" zé da cruz advoga, e você pode ler aqui, que o problema central da chamada "crise fiscal" da cidade é um misto de "falta de articulação política com articulação técnica", nas palavras do "ólogo" que imagina que picadeiro de mídia empresarial é tribuna acadêmica, e por isso frauda a si mesmo para ser digerível a este setor e seus associados.

Digo e repito, a intenção do Marcos Pedlowski foi dar um contraponto, uma tese alternativa à do terrorismo fiscal e ampliar o debate pobre, mas esbarrou na intelectualidade capturada e sequestrada pelas elites locais.


Não, meus caros, não faltou articulação política ou técnica, ao contrário, sobraram tais articulações "políticas e técnicas", que se destinaram sempre a mesma coisa: transferir bilhões de reais dos royalties para as classes dirigentes, as elites, que se associaram à governos para este saque, e depois se desfizeram destas classes políticas descartáveis nas fogueiras do lawfare.

zé da cruz quer nos convencer que nossos problemas são morais, mas mesmo assim, restringe o sentido de moralidade quando subtrai a amplitude das escolhas políticas, e deixa tudo na conta da ausência de "vontade", sem dizer em alto e bom som que foram as elites que comandaram a pirataria dos royalties, implementando modelos de gestão que atendessem primeiro aos negócios.

Sem nomear corretamente o que aconteceu, nunca poderemos alterar a direção para onde estamos indo!

Estamos então, entre os terroristas do orçamento, e o celebritismo intelectual de baixo calão.





Bolívia, de volta para o mesmo futuro!

 A esquerda latino-americana está em êxtase.

O sistema eleitoral funciona, e o povo boliviano foi redimido nas urnas, fazendo valer sua vontade obstinada.

Os reformistas e institucionalistas da esquerda brasileira e mundial bradam aos quatro ventos: 

"É possível mudar e consertar o sistema político pelo voto!"

Por que será que não consigo embarcar no otimismo desta gente?

Explico.

Antes de mais nada, sem a punição de todos os envolvidos no golpe anterior, que derrubou o Presidente Evo Morales, incluindo aí a expulsão da OEA e seus funcionários daquele país andino, de quase nada terão valido os esforços do M.A.S. (Movimento Ao Socialismo).

Ao mesmo tempo, todos os atos do governo ilegal necessitam de anulação imediata.

Estas premissas são imprescindíveis para a retomada de qualquer projeto político, antes interrompido pela força das elites locais, subordinadas e associadas à intervenção fraudulenta dos organismos multilaterais, que sempre estiveram dominados pela lógica de Washington.

Como acredito que as chances destas condições serem adotadas são remotas, fico com o meu realismo pessimista.

Não quero incorrer em leviandade, mas tenho boas razões para crer que uma das condições para a aparente facilidade com que as elites aceitaram o atual resultado resida em uma chantagem política cruel, que encurralará os movimentos populares bolivianos, que acreditam na possibilidade de alterar pacificamente as estruturas de desigualdade geradas pelo capitalismo, ou seja;

Manter o ex-presidente Evo Morales o mais afastado possível da nova administração, que deve ter se comprometido com outras agendas conservadoras.

O fato do presidente eleito ter sido seu ministro da economia por 11 anos não quer dizer muita coisa no jogo geopolítico e na luta de classes que se desenrola naquele pequeno país, que é alvo declarado da cobiça do pioneiro em fabricação em escala de carros elétricos da marca TESLA, uma vez que o subsolo boliviano contém o minério principal na fabricação das células energéticas dos automóveis.

Há outros interesses, é claro, como as jazidas de gás natural.

Porém, simbolicamente, a questão crucial para os EUA é deter o avanço da retomada dos governos locais pelos setores progressistas, como aconteceu na Argentina, agora Bolívia, Equador à caminho, e Chile em convulsão para estabelecer novo pacto constitucional.

Este novo arranjo também fortalece a retomada da reintegração da Venezuela no bloco sul-americano, outro pesadelo para o Tio Sam.

Por tudo isso, embora ludicamente me solidarize com a felicidade de parte dos bolivianos, temo acreditar que será passageira, como uma volta a um futuro já estabelecido e conhecido.







segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Lula, uma das apostas do capitalismo em 2022.

 Vamos colocar a pelota no chão, com dizem os boleiros.

Para quem acompanha a política nacional, e tem mais de 45 anos, esta história de associar PT à comunismo, aqui entendido como sinônimo de algum extremismo, ou de colocar Lula em algum espectro político mais à esquerda, eu vos digo:

- Tudo isso é uma tremenda tolice!

Ainda com o balão de couro correndo pelo quadrilátero de relva, insisto em dizer que o líder petista, em quem votei em todas as eleições desde 1989, e seguirei votando, representa uma tradição política inscrita na tentativa vã de alguns setores do capitalismo nacional, e da intelligentsia associada a este setor, junto a outros setores de movimentos sociais e culturais, de construírem de algum tipo de welfare state.


Via de regra, este embate entre os ciclos liberais e os ciclos de bem estar-social aconteceu no mundo todo, com mais ou menos intensidade, e com mais ou menos ruídos e atritos sociais, dependendo de cada contexto histórico, locus capitalista, seus estágios de amadurecimento, etc.

Pequeno comentário:

Outro erro é chamar o ciclo liberal de não-intervencionista, já que nestes ciclos a intervenção econômica estatal é dirigida à sustentação dos chamados "equilíbrios fiscais", que na verdade se dedicam a manutenção das políticas monetárias restritivas para favorecimento do setor financeiro. Não há, neste sentido, capitalismo sem intervenção estatal, ou seja, sem Estado.

 A esquerda mundial, com raras exceções, sempre esteve ocupada em reformar aquilo que é irreformável, o capitalismo, e como um cachorro (neste caso cachorra) atrás do rabo acreditou que ganhar o controle administrativo do Estado capitalista lhe garantiria a chance de acabar com este Estado (capitalista), e assim rumar ao Estado Socialista.

(risos)

Claro que suas inclinações humanistas (corretas, aliás) a mantêm neste barco reformista, porém, mesmo assim, o fato é que todas as tentativas institucionais da esquerda em avançar com uma agenda tímida de estruturação do modelo capitalista em bases menos desiguais encontrou severa oposição das elites locais (as elites nacionais), que se associam entre si globalmente, obedecidas, por óbvio, as cadeias de hierarquias e subordinações entre elas, tudo isso dos pontos de vistas geopolítico e geoeconômico.

E não tomemos apenas como exemplos vulgares os golpes cívico-militares, comuns às chamadas repúblicas das bananas, e àquelas similares na África e todas as regiões pobres do mundo, como Sul da Ásia, ou Oriente Médio.

Estes movimentos chamados de reacionários agem igualmente nos países ricos, e se diferem apenas pela aparência mais (ou menos) "civilizada", enquanto têm o mesmo objetivo de frear qualquer ameaça à pauta liberal-global.

Carregam mais ou menos conteúdo violento de acordo com cada contexto histórico, mas a violência simbólica poderia ser  considerada bem semelhante em todos os casos.

Ao mesmo tempo, estes movimentos reacionários globais, que se diferem em mais ou menos violentos em cada sociedade onde habitam e militam, querem nos fazer crer ser possível que as suas ações sejam (ou possam ser) parecidas (e civilizadas) em todos os cantos do planeta, criando as figuras semióticas conhecidas como "valores universais".

Assim, "vibramos" ingenuamente quando os sistemas de freios e contra-pesos constitucionais funcionam nas instituições do mundo rico, reivindicando provincianamente que se dão certo lá, darão aqui.

"Liberdades de expressão e de imprensa", "liberdade de gênero", "igualdade racial", "democracia", "equilíbrios entre poderes", "cultura e educação", "honestidade", etc, etc, etc.

Slogans produzidos e disseminados para que acreditemos que o mundo capitalista pode levar a todos estas conquistas, e que a ausência de tais pressupostos em cada sociedade advém de anomalias inerentes a cada sociedade, como defeitos incuráveis ou problemas de "caráter".

Aqui uma pausa:

Este sentimento, popularmente conhecido como síndrome de vira-latas, é uma das sementes da chamada "luta contra corrupção", que alçou o moralismo à categoria de ferramenta política de maior relevo.

A História nos mostra que não é bem assim, pois os "defeitos" do capitalismo, muito mais que seus slogans, estes sim são universais.

Exemplos?

A ascensão nazi-fascista na Europa entre-guerras, com apoio de TODAS as elites europeias.

O macartismo estadunidense dos anos 1950, descambando para a brutal repressão policial-militar dos movimentos negros e anti-guerra na década de 60, que por suas vezes, chegaram até o governo de Ronald Reagan.

Todos estes fenômenos tiveram, uns mais, outros menos, o auxílio de aparatos policiais-judiciais, seja nas audiências "anticomunistas" no Congresso dos EUA (1950), seja na guerra às drogas dos EUA (anos 70/80), este último fenômeno que possibilitou a criminalização da pobreza (negra e latina, em sua maioria), e portanto, interdição de qualquer chance de vocalização de insatisfações políticas destas classes menos favorecidas.

Na GBR, a seu termo, tivemos a dura repressão de Tatcher aos movimentos sindicais (70/80), tendo como bodes expiatórios os movimentos separatistas de então (Escócia e o mais contundente na Irlanda, leia IRA).

Na Itália, tivemos a Operação Mãos Limpas, que mergulhou a Itália em um período de instabilidade que dura até hoje, com destaque para a Dinastia Berlusconi, nascida no vácuo anti-política criado pela judicialização partidária italiana (lawfare).

Na península Ibérica, as ditaduras de Franco e Salazar (Espanha e Portugal).


Enfim, qualquer pessoa de bom senso, que não esteja contaminada pelo vírus da imbecilidade, ou pelo cinismo, sabe que a esquerda mundial nunca ameaçou as estruturas capitalistas, nem quando chamou sua chegada ao poder de revolução socialista.

A então URSS, ou a atual China, nunca poderão ser enquadradas, tendo Marx como parâmetro, em economias socialistas, já que as estruturas de organização de produção capitalistas estão (e estiveram) intactas.

Sabemos que tais experiências tentaram apenas planificar as demandas e ofertas (mercados), enquanto no campo cultural-político amarravam as expectativas da população de acordo com esta planificação, enquanto mantiveram idênticas às formas de organização sócio-econômica do trabalho.

Sabemos que mercado e capitalismo são gêmeos siameses que não podem ser separados.

Então, China, URSS e etc, apesar de enorme avanços em alguns setores, como bens de capital e infraestrutura, que reagem bem à planificação centralizada (como o Brasil de 1970), encontraram enormes obstáculos na satisfação dos bens de consumo, pois apesar das aparentes "igualdades" sociais, as estruturas de produção eram as mesmas (capitalistas), e seguiram criando um outro tipo de desigualdade "planificada", que uma hora ou outra iria explodir  (como aconteceu) diante das limitações  e frustrações individuais que eram soterradas no fechamento político.

A China entendeu isso em 1989 (com as enormes manifestações celebrizadas na Praça da Paz Celestial), e liberou parte considerável de seu mercado, readquirindo a dinâmica capitalista, alimentada por um bônus demográfico permanente.

Tudo isto foi dito para dizer o seguinte:

Lula é uma das apostas do mercado e do capitalismo para 2022.

Parece estranha a hipótese, mas é bem factível.

O comportamento de Lula frente às injustiças sofridas, bem diferente do que fizeram Evo Morales, Rafael Corrêa, ex-presidentes da Bolívia e Equador respectivamente, e até mesmo do clã dos Kirchner na Argentina e Maduro na Venezuela, revela um grau de "confiabilidade" de que por aqui não haverá rupturas sociais tão traumáticas que nos países vizinhos.

Outro tensionamento que deve ser citado é o do Chile, onde as chamadas lideranças tradicionais "de esquerda" parecem ter perdido o controle a conexão com os protestos, que insistem em negar ao governo do direitista Piñera a menor possibilidade de retomar a governabilidade.

A vitória possível do grupo político de Evo Morales, e a candidatura de Corrêa à vice presidência (ainda sub judice), bem como a ferrenha resistência de Maduro, e a volta de Kirchner, sem que nenhum destes reconheçam ou tenham se submetido aos processos judiciais onde estão vinculados pelo lawfare de seus países (modelos importados dos EUA, e do Brasil), revelam um enfrentamento necessário (e possível).

Este enfrentamento que foi ignorado por Lula, que como cordeiro a ser imolado em sua crença sacrossanta de ser um tipo de "messias", quando ele aceitou e se entregou aos seus sequestradores.

Ao mesmo tempo, é esta obediência que o torna tão confiável.

Não faço aqui um julgamento de valor destas táticas, até porque cada líder envolvido terá informações que todos nós não temos, tanto no campo das ações táticas e estratégicas, e do capital político acumulado, mas principalmente no campo dos resultados.

No entanto, se a volta da espiral capitalista está chegando ao limite da capacidade das populações em aguentarem os arrochos impostos, com a total degradação dos tecidos sociais envolvidos, e se há ainda algum sopro de interesse (e força) dos capitais chamados produtivos de manterem alguma aparência institucional e de civilidade (e tenho sérias dúvidas a este respeito), podemos sonhar que se aproximaria a hora de permitir alguma agenda social com garantias individuais (pautas identitárias de direitos humanos).

A questão crucial nem é mais se os setores produtivos se opõem a agenda social (welfare), mas se há alguma força  nestes setores, e na debilitada estrutura política que foi arrasada pela não-política financista e dos algoritmos, para apoiarem algum tipo de governo reformista.

Eu tenho a suspeita que não há mais.

Se Lula ou qualquer outro líder chamado "de esquerda" imaginam alguma chance de repactuarem os acordos políticos com dos diversos atores nacionais e internacionais rumo à "humanização" capitalista, esqueçam.

O capital transforma o humano em mercadoria, mas é impossível, neste mesmo capitalismo, humanizar aquilo que foi mercantilizado.

Quero estar errado. 

Melhor dizendo: Preciso estar errado.

Mesmo assim, Lula, pela sua resiliência e subordinação à crença dele em si mesmo, de que veio para "unir" os brasileiros, é uma das apostas do cambaleante e moribundo capitalismo em 2022.

Resta saber se sobrou algo para fazer alguma coisa.




  






quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Big Boss Baby!

Baby Boss Prefeito e garo-Tim, em cena de desafio!

 

Os últimos episódios da campanha eleitoral de Campos dos Goytacazes só confirmam o que este escriba disse há algum tempo.

A disputa por um dos maiores orçamentos municipais do país, incluindo aí várias capitais, parece-nos uma briga de playground, onde os principais competidores parecem se engalfinhar por um brinquedo ou pela primazia da atenção dos adultos.

Roteiro parecidíssimo com uma franquia de animação da Disney, que em tradução levou o título por aqui de O Poderoso Chefinho!

Na estória, um irmão mais velho sofre com a chegada do mais novo, enquanto este se apresenta como um adulto de fraldas!

A despeito do centro do argumento ser o amor fraternal, e as inerentes contendas deste "amor", ao lado dos malabarismo paternais para se dividirem entre cuidar do novo integrante da família, enquanto lidam com a carência do mais antigo, a animação traz também outro tema sublimado, que é a imaturidade/maturidade dos infantes.

Este dilema aparece na trama, tanto na imaginação fértil e infantil do irmão mais velho, ao mesmo tempo que tenta se livrar das rodinhas da bicicleta, quanto na "personalidade autoritária" do irmão mais novo (uma alegoria para a atenção quase exclusiva exigida por bebês), enquanto oscila momentos típicos de bebês, como as "sonecas" no meio dos diálogos.

Nada mais adequado para descrever o "desafio", tipo "te espero lá fora", ou "quem cuspir aqui ganha a briga", feito pelo desesperado Baby Boss Prefeito, filho e neto de uma oligarquia política conservadora local, e seu "irmão" garo-Tim, mais velho e já deputado federal, mas nem por isso menos impúbere candidato de uma dinastia política mais recente.

Baby Boss Prefeito se imagina um grande gestor, portador das mensagens corporativas, capazes de serem aplicadas magicamente em qualquer situação, junto com uma equipe "qualificada", que falam o fluente gugu-dádá da administração pública, mas não conseguem descer dos berço sozinhos ou limparem as próprias bundinhas!

Big Boss Prefeito e sua equipe


Assistindo a todos, podemos descrever o terceiro bebê desta estória, como aquele meio coadjuvante apalermado, que resolve os problemas da trama aos trancos e barrancos, este é o Jimbo Vianna:

Jimbo Vianna atrás de um cookie

Estão todos atrás do controle da Baby Campos Corp, e da fórmula mágica que os manterá sempre bebês, ou seja, uma mamadeira de poder.

Quem não assistiu ao filme, me perdoe pelas referências.

Elas foram apenas uma maneira engraçada de ilustrar algo triste e trágico, que é assistir esta disputa eleitoral entre três indivíduos que não existem socialmente, a não ser pelas referências de seus clãs, haja vista que nenhum deles ostente qualquer outra informação em seus currículos, salvo serem herdeiros políticos de alguém.

O último ato recente, na verdade uma busca frenética do Baby Boss Prefeito em demarcar seu território, já que não lhe restam outras qualidades ou feitos para mostrar em sua catastrófica gestão, revela o nível de imaturidade política alcançado pela cidade de Campos dos Goytacazes.

No canto oposto, em lugar de mostrar maturidade, e ignorar o "te pego lá fora", o candidato até aqui favorito, o garo-Tim, embarcou infantilmente neste bate-boca, no que foi seguido pelo Jimbo Vianna.

Este é o resultado direto do lawfare, e das mensagens diárias de propaganda antipolítica da mídia, que causaram o surgimento de um vácuo, um enorme hiato de lideranças políticas, cassadas pelos partidos do judiciário, e/ou interditadas pelos partidos de mídia.

Não é uma queixa geracional ou ranzinice de quem atingiu a meia idade...quer dizer, não é só isso.

O fato é que o perfil dos candidatos autorizam a conclusão de que a prefeitura da cidade é mais um capricho, ou pior, um prova aos seus antecessores e mentores familiares de que são capazes de ir ao playground sozinhos, um rito de passagem às custas de algo em torno de 500 mil pessoas.



É bom não esperarem final feliz.




quarta-feira, 14 de outubro de 2020

A santíssima trindade: MP, Judiciário e Mídia!

Acerca do Habeas Corpus concedido pelo juiz Marco Aurélio primeiro é bom dizer:

HC, como todo remédio constitucional trata de socorrer os pacientes, pois assim são chamados quem recorre a tais garantias, quando há violação flagrante delas, ou seja, quando alguém tem seu direito violado por agente do Estado e tal violação seja tão explícita que não se necessitam provas ou interpretações!

É o caso do § único do artigo 316 do CPP. 

Ponto e vírgula!

Se o juiz "da causa", aquele que decretou a prisão, não manifestar a cada 90 dias que a situação de fato que deu causa ao confinamento permanece, livre-se o réu, desde que não haja outra ordem pendente (de prisão).

Ponto final!

Qualquer tentativa de "interpretar" o que quis dizer o legislador, ou tratar este ou aquele preso como diferente devido a sua chamada periculosidade insere-se na categoria do abuso (de autoridade).

Quando se trata de prisão preventiva (ou temporária), isto é, de privação cautelar de liberdade, não interessam os réus ou acusados, as suas qualidades, ou neste caso, para ser mais claro, seus defeitos pessoais, a gravidade do delito cometido, etc.

Esta é a regra, ou deveria ser.

Portanto, acertou a facção do garantismo-oportunista do STF, mas isto lhe custou o amor da mídia, que buscou refúgio no colo da facção do populismo-jurídico do STF

As premissas para prisão cautelar preventiva estão esculpidas nos artigos 312 e 313 do CPP.

Assim como estão expressas no artigo 1 º e outros artigos da Lei 7960, adaptadas pela Lei 13869 (Lei do Abuso de Autoridade), as condições para a prisão temporária.

Neste caso último aqui citado (prisão temporária), os prazos dos mandados (05 dias), uma vez expirados, e sem que o juiz se manifeste em contrário (com a renovação da prisão), impõe a imediata liberação do preso por quem o mantém sob custódia, INDEPENDENTE de manifestação de quem decretou a prisão.


Embora cautelares, as prisões temporárias e preventivas destinam-se à preservação de momentos diferentes da persecução, quando a temporária se destina a garantir a efetividade do Inquérito Policial, etapa anterior ao processo propriamente dito.

Já a prisão preventiva, que também pode ser oferecida antes da denúncia (embora sejam raras estas ordens), geralmente têm por objetivo a proteção do processo e sua efetividade.

Feito este preâmbulo, restam tantas confusões que é difícil enumerá-las.

    A pressa oportunista da mídia e seus lacaios em relançarem a pauta da execução antecipada das penas, sob o argumento de que isso impediria que presos perigoso permaneçam livres enquanto aguardam os ritos processuais, é um contrabando típico do populismo jurídico-legislativo e punitivismo penal que nos assola nos dias atuais.

Mais da metade dos presos do nosso sistema judicial-penitenciário é composto hoje por presos preventivos (e temporários), isto é, sem condenação (e portanto, sem penas cominadas aos crimes os quais são acusados).

Nem precisa dizer que a esmagadora maioria destes presos são pobres e pretos.

Uai, mas aí você, punitivista, poderia dizer-me contraditório, pois a lei que permitiria a execução antecipada da pena poderia corrigir estas distorções, trazendo ao cárcere os presos ricos.

Sofisma, sofisma, sofisma, eu repetiria.

Primeiro que não se ampliam direitos com normas mais severas.

A ampliação de direitos e garantias, incluindo aí a efetividade do processo penal, se garante com a universalização isonômica do atendimento judicial às demandas, tratando cada caso em si, dando a cada um o que lhe é justo e dentro proporcionalidade exigida pelas desigualdades entre os atendidos.

Depois é preciso dizer em alto e bom som, nem antes de 2016, quando o STF chancelou a execução antecipada das sentenças, nem depois, quando reverteu esta decisão inconstitucional (e feita sob medida para os tempos eleitorais), havia uma imposição legal ao juiz para obrigá-lo a antes prender os sentenciados por órgão colegiado, ou depois, soltá-los após sentenças destes.

O que a decisão última do STF foi dirigir o entendimento já esculpido na CRFB/88, de que a prisão é exceção, não regra, ainda mais quando na ausência de sentença definitiva.

No entanto, o STF, nem qualquer outra pessoa, como eu, desconsidera que há abrigo na Lei (no CPP) para manter em prisão preventiva aqueles cujos delitos ou condições objetivas se enquadrem nas normas dos artigos 312 e 313 do CPP.

Onde está o problema então?

Ora, caros e poucos amigos leitores, está na brecha concedida pelo CPP quando fala do abalo da ordem pública (paz social) para prender pessoas antes de sentença transitada (artigo 312 do CPP).

Aqui está o nó górdio da questão, que também não foi tocado pela norma que instituiu o § único do artigo 316 do CPP.

Esta margem interpretativa (subjetiva) conferida aos juízes é um poder enorme, e como vemos, tem servido a tudo, menos a garantir a ordem pública ou a paz social, já que a aplicação hierárquica, classista e étnica do dispositivo, manteve nas cadeias os mesmos de sempre!

O dispositivo "discricionário" manejado por Vossas Excelências tem, ao contrário, determinado que a tal "ordem social" possa assim ser descrita, com raríssimas exceções: preto e pobre, preso, rico e branco, solto.

Ou seja, a letra da lei já permite aos juízes uma margem subjetiva para dizerem se consideram a prisão cautelar e preventiva de um autor de furto (ou um reles traficante preso sem armas, e que não tenha antecedentes criminais) mais ou menos significativos à manutenção da ordem pública que um sonegador, que some com um importante documento do processo administrativo (DARF) que poderia levá-lo às barras da Justiça, como os donos de um certo grupo de comunicação lá da Nuncalândia, por exemplo (perigo à instrução penal, um dos requisitos OBJETIVOS da prisão no artigo 312 do CPP). 

Adivinhem quem está preso?

O mal falado § único do artigo 316 do CPP apenas disse que haveria agora um limite temporal (90 dias) para que Vossas Excelências renovassem tais interpretações.

A figura desta limitação temporal é conhecidíssima.

No caso da Lei 7960 (Prisão Temporária) este prazo é de cinco, REPITO, CINCO DIAS, e ninguém notou isso até agora??????!!!!!

Ou seja, o argumento cretino do pato de maringá, de que 90 dias para um juiz (re)avaliar prisões e fundamentos pela sobrecarga é mentiroso, vil e criminoso, já que na própria Lei 7960 este prazo é bem menor.

Meu zeus, é este o pilar, o suprassumo da elite do pensamento judicial brasileiro recente, farol da lava jato, aquele que arrebatou multidões.

No pensar do pato de maringá, impossível o cumprimento da lei pelas pobres Excelências, tão cansadas e esgotadas de ganharem 40 ou 50 mil reais (alguns tantos, 100 ou 150 mil) por mês, com duas férias anuais, recessos, ufa, e mesmo assim, por heroísmo e altruísmo acumulando varas e vencimentos!

(Podem ainda vender 1/3 das férias, mas como? Não estão esgotados???????)

Se era assim tão "pica" das galáxias o preso (André do RAP), e eu acho que era, porque comeram mosca?

Possivelmente, aqueles que dizem que a revogação do § único do artigo 316 do CPP, que retorna ao texto anterior, onde não havia prazo algum para reconsideração ou revalidação dos motivos da prisão, querem é que as coisas continuem as mesmas, ou seja, ricos fora do alcance da Lei, ou de sua aplicação, apesar de vomitarem na mídia que desejam que a "lei seja para todos", e blá, blá, blá...

Explico: sem prazo definido, a arguição que, ressalte-se, pode ser feita a qualquer tempo pela defesa (mesmo depois do primeiro dia da prisão preventiva), depende da capacidade do réu ou do preso em ter uma assistência jurídica que, de forma eficaz, consiga convencer o juiz que os requisitos para manter o cliente preso acabaram.

Bons advogados custam muitos honorários (nem sempre, é verdade), mas defensores públicos, estes sim soterrados pela demanda, nunca conseguirão atender réus pobres na mesma condição daqueles que podem pagar assistência jurídica privada.

Logo, por dedução lógica, o prazo de 90 dias inverte esta lógica monetarista do atendimento judiciário, e ataca vários interesses, ao obrigar que o juiz diga se mantém ou não a prisão.

Esta é a pedra filosofal da questão.

Por outro lado, aposto um quazilhão de reais que se fosse um policial ou agente público, do tipo mortais (não juízes, não promotores) que "esquecessem" de praticar ato de ofício que resultasse na soltura de um acusado desse calibre, ele ou ela já estaria ardendo na fogueira santa da santíssima trindade: MP, Judiciário, e Mídia.

Fica a dica: não seria melhor pagar um terço aos juízes (que já daria algo em torno de 20 mil reais) e triplicar o número de juízes e varas, talvez para nos retirar do incômodo título de um dos judiciários mais lentos do planeta (lento para a maioria, diga-se) e dividir poderes e responsabilidades?

Grandes poderes, grandes responsabilidades, diria o Tio Ben do Peter Parker (Homem Aranha).

Pois é, nossa santíssima trindade, tal e qual a católica, parece nos desafiar sempre a acreditar sem entender.

Como deus é pai e é filho e ao mesmo tempo espírito, Mídia é tribunal, tribunal é órgão legislador, órgão ministerial é o espírito midiático do moralismo sacrossanto, e todos são deuses, todos são um, e uns são todos, e no fim de tudo, não precisam se explicar, apenas serem obedecidos.

Aqui em nosso país, a lentidão e sobrecarga do judiciário é o argumento para...para...? 

Isso mesmo, para criarem leis que atropelem ainda mais os poucos direitos dos réus e do cidadão, judicializando ainda mais os conflitos, e...claro, aumentando a lentidão.

Nosso Judiciário é de uma inventividade sem par, cria dificuldades para vender ainda mais...dificuldades.

Estranho não? Não se você olhar com atenção.

Voltando a carga do assunto principal:

A partir de agora, a facção populista-jurídica do STF vai apelar e bater abaixo no pescoço, onde tudo para eles virou "canela" (no brucutuquês do futebol).

Vai ser chamada a decidir sobre a constitucionalidade de uma nova Lei ou Emenda à Constituição que ataca a própria Constituição naquilo que ela é inatacável, Cláusula Pétrea, quando já emitiram juízos antecipados de valores, sendo assim, de natureza política, muito antes de tais questões lhes serem apresentadas.

Estas cláusulas não podem ser alteradas, salvo em NOVO TEXTO CONSTITUCIONAL, UMA NOVA CONSTITUIÇÃO, e são todas as do artigo 5º da citada Carta.

Veremos a seguir um festival de chutes hermenêuticos, torcendo princípios e garantias, torturando direitos, até que se confessem adeptos às novas versões sugeridas pela santíssima trindade.

Porém, se Luís XIV dizia, L'État c'est moi (O Estado sou eu), os nossos santíssimos dizem: Le Droit c'est moi (O Direito, sou eu).



 

 




quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Bozo, um gênio!

 A atuação do presidente bozo é um case a ser estudado!

A reação apalermada dos seus opositores, idem!

Ao "decretar" o fim da corrupção, e da falange ministerial conhecida como lava jato, o bozo empurrou para o colo da esquerda uma bomba semiótica, que parece prestes a explodir.

Claro que sabemos que os crimes de corrupção não acabaram, mas o fato é, o bozo fez aquilo que nenhum presidente do PT foi capaz de fazer, enfrentou o lawfare de Curitiba.

E agora?

Defendemos que os promotores e juízes do Paranaquistão tenham seus poderes restituídos para que os supostos delitos da família do bozo sejam apurados?

Continuamos na armadilha de fazer política usando o lawfare contra os inimigos, dando protagonismo ao partido da justiça e do ministério público?

Dias desses, assisti um pequeno trecho do debate em SP, entre candidatos à prefeitura da capital, e o candidato Boulos ataca com força o Russomano, e para isso se utiliza de acusações de conduta ilícita deste último.

Ok, ok, na guerra, no amor, e na política, todas as armas são válidas.

Mas e depois?

E o telhado?

E a pedra?

Serão sempre pedra e telhado?

Quem de verdade ganha quando o chamado "combate à corrupção" ocupa a centralidade do debate político?

Kassio, O Escasso!

Eu quase sempre utilizo o ótimo conto de Lima Barreto, O Homem que Sabia Javanês (que você pode ler se quiser), para me referir a certos tipos e personagens da política nacional e local, assim como certa cepa de intelectuais de coleira das elites e meios de comunicação!

Para quem não leu, e não vai ler, aqui vai um resuminho safado:

O personagem-narrador, um truque bem comum aos contistas da época, discorre com um amigo sobre suas diatribes e esquemas de sobrevivência, e ao cabo de algum tempo, faz-se passar por intérprete de uma língua exótica, o javanês.

Como ninguém o equipara no conhecimento de estranho idioma, ele vai galgando posições sociais e ganhos econômicos, tudo estruturado em um capital intelectual que nunca deteve!

Alguns mais severos, e desprovidos do humor e compaixão pelo modus vivendi do personagem, o diriam um criminoso, um golpista vulgar!

Não concordo!

Quisera nós que nossos ilustres representantes e mandatários federais de hoje tivessem a mesma fleuma, e o mesmo savoir-faire, para nos iludir que são melhores que são.

Oxalá soubessem o javanês!

Qual nada!

Atolados estamos em completa mediocridade e falta de imaginação!


Olhem o caso do pretendente a vaga de juiz na Corte Constitucional.

Quanta pobreza de espírito fraudar em documentos as suas qualidades, e além de mentir descaradamente, e sem nenhum charme acerca dos seus títulos, é bem possível que aqueles que obteve realmente tenham sido alcançados com o não menos desprezível plágio de trabalhos alheios!


Nem Lima Barreto, nem o Bruxo do Cosme Velho, nosso Machado de Assis, enfim, nem Stanislaw Ponte Preta, encarnação do não menos lendário Sérgio Porto seriam capazes de tornar engraçada a triste e melancólica história do juiz Kassio, O Escasso!

É alarmante sua escassez de argumentos que o livrem desta fraude, que nos tempos machadianos, talvez, fosse levada às barras do tribunais, como falsidade ideológica, eis que disse:

"Erro de tradução".

Nem o Homem que Sabia Javanês teria tanta cara de pau para justificar deste modo!

Parece-nos que a aridez não é só de argumentos, mas como indicaria a boa lógica, de capacidade intelectual que alimente qualquer argumento!

O caso do juiz Kassio, O Escasso, confirma várias premissas, e nenhuma delas nos redime:

- Para ser parte do governo mais à direita que a direita já construiu no país, é preciso ser um completo idiota.

E por derradeiro, fica evidente que os idiotas detestam a ciência e o estudo, mas amam os títulos que a pesquisa e o trabalho árduo, enfim, que a só o exercício honesto da ciência deveriam conferir!

No país onde qualquer rábula de tribunal é chamado de doutor, que juiz é chamado de doutor, onde promotor exige assim ser chamado, e até fisioterapeuta quer se chamado de doutor, Kassio, O Escasso nunca soube Javanês!  





quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Entre quixotes e sanchos, a realidade quase nunca é o que nos diz ser!

 

Nesta semana, provocado por procuradores do MPF, que atuam na 

Nesta semana, provocado por procuradores do MPF, que atuam na seara de Direitos Humanos, o Magistrado Og Fernandes votou pela possibilidade de responsabilização em sede de ACP (Ação Civil Pública de três delegados de SP, que funcionavam no antigo Departamento de Ordem Pública e Social, DOPS, e que teriam torturado presos ali custodiados.


A referida ação dos procuradores e a decisão do juiz estão, salvo melhor juízo, eivadas de erros, apesar das boas intenções.


Vamos ao estudo do “caso”.


Primeiro erro, a avaliação política, e por consequência, de natureza constitucional:


Temos um entrave insolúvel, desde que o STF (sim, sempre ele) reconheceu a Lei de Anistia (uma aberração jurídica).

Esta decisão fala muito do STF e da sociedade onde ele se insere, claro, mas vai além.

Note você, leitor, que durante as ditaduras na América Latina, todos os governos militares nunca foram admoestados, salvo por pequenos "puxões de orelha", aqui e acolá, nos órgãos multilaterais, sejam eles regionais (OEA), sejam os globais (ONU).

Ou seja, o mundo ocidental, capitaneado pelos EUA, estes órgãos, que reivindicam serem instâncias de pacificação e preservação dos direitos humanos, aceitaram o que se fazia aqui (apesar das frequentes e recorrentes notícias dos exilados e torturados de que havia graves violações neste e em outros países), desde que os militares não extrapolassem seus atos ao conhecimento mundial, ou que "errassem" os alvos (caso Rubens Paiva e o Stuart Angel, por exemplo), ou enfim, que fizessem "cagadas" como o Riocentro.


Assim também entendeu o chamado mundo jurídico, que permaneceu domesticado e silente em todos os regimes de autoritarismo (explícito e formal) no Brasil. Desde sempre!


Já Cuba, desde a década de 60, e agora recentemente a Venezuela, na presença de supostas violações (cujo mérito da existência não cabe discutir aqui) receberam tratamento diferente.

Assim como recebe Israel.

Ou a Arábia Saudita.


Claro, a conjuntura e estruturas políticas se movem, inclusive interna corporis, mas o ethos autoritário de violento de nossa Justiça (e da sociedade) permaneceu intacto, vide a ratificação da famigerada Lei de Anistia.


Então, sem relativizar os direitos humanos, é preciso SIM dar-lhes a historicidade necessária.


Nossa sociedade, nosso judiciário, nosso MP aceitam, e sempre aceitaram, por ação e/ou omissão, a tortura como meio de: imposição de valores políticos e/ou como imposição de políticas criminais e de segurança pública!

Isso é fato!!!!


Lutam tais procuradores não contra entendimentos isolados, mas com um consenso, de cima a baixo na pirâmide social, que é relevante e histórico!!!


Porém, tanto eles, quanto o magistrado em questão, erraram feito, e deram sopa para as defesas dos réus.


Além deste erro de entendimento da História, e na ingenuidade condescendente com seus pares, o problema é jurídico mesmo, e aqui vai uma crítica ao trabalho dos procuradores, menos pelas intenções, mas muito mais pelas ações equivocadas.


A lei de improbidade é de natureza híbrida, e portanto, visa a reparação e cessação de danos provocados por atos de improbidade, apenas por servidores públicos ou entes assemelhados, tanto do ponto de vista coletivo (contra a administração e o Erário), mas também no aspecto subjetivo das condutas pessoais de enriquecimento ilícito, por exemplo (aspecto penal).


Assim, se o STF reconheceu a validade da Lei de Anistia para atos praticados durante a ditadura, a responsabilização subjetiva e em primeiro conhecimento pelo Juízo das condutas dos servidores em questão, procurando imputar-lhes penas de natureza sancionatória não-administrativas (perda de cargos e cassação de aposentadoria) são, como já se sabe, de viés PENAL, e não podem mais ser alcançados pelas sentenças em sede de ACP (ações civis públicas).


Outro tema complicado é a perda de aposentadoria, porque isso implicaria em primeiro desaposentar o servidor para submetê-lo a processo administrativo e então promover, se fosse assim direcionada a decisão nestes processos extra-judiciais, a demissão do servidor.


Mas o princípio comezinho de Direito nos informa: quem pode mais, pode menos, ao mesmo tempo: quem não pode mais, não pode menos.

Explico:

Se a lei garante a não punibilidade penal, não permitirá sequer a persecução administrativa!

Em outras palavras, se o réu não pode ser condenado pelas torturas, não pode ser demitido por elas.


Em outra instância, caso fosse possível, a cassação dos proventos de aposentadoria só seria possível com a devolução corrigida e com os devidos cálculos autuariais de amortização para o cassado, para não incorrermos em enriquecimento ilícito do Estado e/ou dos fundos de pensão.


O dinheiro do aposentado não pertence mais a esfera jurídica do Estado, não propriamente, por isso é indevido cassar tais recebimentos.


Enfim, temos a única chance de responsabilização, essa sim no campo apenas cível, de indenização!


Mas esta indenização tem que ser perseguida em primeiro plano em desfavor do Estado, que é o ente jurídico objetivamente responsável pela incolumidade dos cidadãos sob sua custódia, e pelos danos causados pelos seus servidores.


A culpa pessoal destes servidores só é aceita em ação de regresso, quando o Estado vai atrás do servidor para provar que ele deu causa ao dano (neste caso a tortura), e deve ressarcir os cofres públicos na medida da sua parcela de responsabilidade.



Enfim, tudo isso acima se resolve com um ato simples: Congresso revoga Lei de Anistia, ou STF muda seu entendimento e a invalida!


Enquanto esse delírio não for possível, e a sociedade, Congresso e o STF continuarem a reafirmar sua fé na impunidade de torturadores, a luta quixotesca dos procuradores vai sempre mirar nos moinhos errados!

Quem faz a fama, deita na ca(â)ma(ra)? Um breve momento na Gaiola das Loucas!

  Algo vai muito mal quando juízes e policiais protagonizam política, e pior ainda, quando são políticos que os chamam para tal tarefa... Nã...