quinta-feira, 29 de outubro de 2020

O pulso ainda pulsa!!


Mais um truque do governo federal passou batido pelas forças políticas que reivindicam oposição à ele.

O chamado decreto de privatização das UBS, entendido como mais um ataque ao SUS, com o objetivo de acabar com este serviço "universal".

Sim, de certa forma o decreto é mais um golpe, mas a bem da verdade, o SUS nem é público, nem é universal, me perdoem.

A esquerda apalermada engole os slogans da direita, e depois passa anos defendendo algo que só existe como uma imagem, uma miragem.

Como a peça de propaganda do refrigerante Sprite aí em cima, que pode estar na memória dos mais velhos como eu.

O fato é que o SUS, como todo e qualquer chamado direito ou serviço público, no arranjo constitucional no sistema capitalista, pode até levar o nome de "público", ou "universal", ou ainda, "estatal", mas são destinados a cumprir as mesmas hierarquias de classe.

Explico:

As escolas públicas, por exemplo.

Só os incautos defenderiam a ideia de que tais instalações funcionem de forma isonômica, onde os alunos da periferia mais pobre, logo requerentes de atenções específicas e instrumentos e equipamentos correspondentes à tais demandas, recebam tal atendimento pelas políticas públicas de educação.

É certo que todos sabemos que as escolas melhores das redes públicas, inclusive aquelas que recebem os professores mais interessados são as escolas centrais, e que atendem quase sempre um público de origem de classe (e cor) bem diferente daqueles da periferia.

Sim, quase ninguém deseja ganhar pouco para se esfolar nas periferias ou zonas rurais, é natural, pois é antes uma questão de subsistência.

Geralmente, tais escolas mantêm em suas equipes os professores iniciantes ou aqueles "exilados" (sem "padrinhos").

Logo, as escolas centrais terão os professores mais experientes e mais interessados, justamente aqueles que conquistaram o direito de remoção por mérito, e vão atender nestas escolas mais centralizadas os filhos das classes (mais altas) que ocupam os melhores locais das cidades (os centros e bairros mais bem aparelhados).

Exemplos?

Em Campos dos Goytacazes, o Liceu, em Macaé, a Escola Luiz Reid, e etc.

E as universidades, reduto da esquerda?

Até hoje, em 2020, um censo nas melhores universidades e melhores cursos vai revelar que o atendimento estatal é reservado aos mais ricos e brancos.

Se formos para a pós-graduação e pesquisa avançada (mormente nos setores de alta tecnologia, exatas e pesquisas médicas), nem precisa de escrutínio, a verdade é clara, bem clara como a cor da pele dos estudantes e pesquisadores.

Outro exemplo, que de tão óbvio nos parece até piada, é que as pessoas insistem em dizer que há alguma universalidade e/ou atendimento isonômico ao público: A Justiça.

(Ressalva importante: não cair no truque da "igualdade", pois nada há de mais injusto que tratar os desiguais de forma igual, e nossa CRFB traz como princípio o tratamento isonômico, ou seja, aos desiguais na forma de sua desigualdade - risos).

Nem preciso martelar na questão da aplicação de penas criminais de forma seletiva, classista e racial. Isso já está até chato. 

Vamos falar de outros ramos do "mercado judiciário", as ações cíveis, ou de outra natureza.

Apesar da proclamada gratuidade aos mais pobres, o fato é que a prestação jurisdicional atende aos mesmos parâmetros de todo atendimento público no Estado capitalista.

Quem tem grana consegue ter suas pretensões pelo menos ouvidas.

Se estas pretensões não são todas atendidas (embora seja bem provável que sejam), pelo menos são conhecida por todas, ou mais instâncias da estrutura do Judiciário.

Enquanto aos mais pobres é oferecida a jurisdição de piso, ou pior, nos juizados especiais, uma espécie de fast-food judicial, ou seja, a sociedade tem a impressão de satisfação, mas o que ganha ao longo prazo é o "entupimento de artérias", quando o acúmulo da litigância dos mais pobres acaba por sobrecarregar estas instâncias que deveriam ser mais rápidas (como um entupimento).

Então, nem rapidez é mais oferecida, como uma lanchonete de uma franquia qualquer em local de grande evento.

Os juizados foram uma espécie de pré-tabelamento de direitos e pretensões, onde a troco de celeridade, as elites capitalistas, tão bem representadas nos entes legislativos, tribunais e outros convescotes, convenceram os litigantes (as partes mais pobres) a aceitarem menos, quer dizer, bem menos.

Estas partes mais pobres poderiam angariar em um processo ordinário sério, desde que os juízes tratassem de forma isonômica estas  partes litigantes, como fazem quando as demandas dos mais ricos lhes são apresentadas.

Como pobre não paga seminário de juiz em resort na Costa do Sauípe/BA, nem paga palestra de juiz-ministro ou procurador-estrela a peso de ouro, venderam a ideia de que já que não posso te servir um prato de Justiça chique, te dou um pão com ovo de Justiça.

Agora nem pão, nem ovo, quem sabe, um copo d'água.

Tudo isso patrocinado (todos estes argumentos) pelos escritórios das grandes bancas e grandes departamentos jurídicos das grandes empresa, que para não sermos levianos, diremos apenas que o lobby foi no campo intelectual e doutrinário.

As empresas, deste modo, ao invés de cumprirem contratos, de respeitarem os contratos através de correção de seus erros administrativos e de gestão, entendem ser bem mais barato tornarem as vidas dos seus consumidores (principalmente os mais pobres) um inferno.

Entre eternas ligações aos centros de atendimento (quando atendem a chamada) e a judicialização destes conflitos, as empresa sabem que podem contar com sentenças baratinhas no balcão dos juizados especiais.

Encerrando temos as chamadas empresas estatais.

Vejamos a Petrobrás.

Seus trabalhadores e boa parte da esquerda imaginam que aquela empresa é, de fato, uma estatal, apenas porque ela ainda possui a outorga da União para prospecção de reservas de hidrocarbonetos (o que ainda resta).

No entanto, a conformação societária da empresa, suas ações corporativas indicam que ela é tudo, menos estatal, tanto é verdade que na simples mudança de orientação política dos governos, mudam as diretrizes administrativas e econômicas da S/A.

Porém, seja na esquerda ou na direita, a política de preços e investimentos sempre esteve à serviço dos setores empresariais, funcionando como um vetor de concentração de renda, quando retira dos preços dos produtos destinados ao público não-corporativo os recursos para subsidiar a atividade empresarial, e pior, sem nenhum plano estratégico para determinar se estes subsídios estão, de fato, contribuindo para as dinâmicas econômicas pretendidas.

O SUS está no mesmo bolo.

Não é universal, porque não está distribuído universal e isonomicamente pelo país, pois concentra-se no Sul-Sudeste seus melhores equipamentos e profissionais, assim como esta divisão desigual se espalha dentro das cidades, ou seja, áreas mais pobres detêm atendimento pior em relação às áreas centralizadas.

Não é público, porque subvenciona a iniciativa privada, quando não recebe os valores indenizatórios devidos pelos planos de saúde quando o SUS atende os segurados daquelas empresas (é lei!), ao mesmo tempo que sai da verba da saúde as deduções e restituições de impostos (IRPF) às classes média e rica.

Não é estatal, porque o gerenciamento do SUS, em maior ou menor medida, está contaminado de cima a baixo pela privatização "mingau quente" (que se come pelas beiradas), com emprego de toda sorte de terceirizações, contratualizações (rede "pilantrópica"), e as famigeradas OS, entes sem fim lucrativos (outra piada) que administram boa parte da rede primária e secundária do SUS, chegando até em alguns setores de alta complexidade.


Por fim, o SUS é "refém" de um sequestro de grupos organizados, desde médicos, com suas reserva de mercado que começa na monopolização cartelizada e privada da formação médica.

Nosso país é um dos que menos formam médicos, no cômputo geral e olhando as universidades públicas este número é ainda mais dramático.

Comparado aos países tamanho e economia parecidos, nosso país além de formar menos médicos, tem elevada taxa per capita de gasto na formação de cada um deles.

Este fenômeno leva a uma sobrevalorização da carreira, ao mesmo tempo que aumenta o potencial de concentração destes profissionais nas regiões mais ricas, porque senso a formação caríssima, é quase certo que os médicos desejem recuperar rapidamente o "investimento".

Ao lado destes problemas está a indústria da especialização médica, que é resultado direto da concentração geográfica e da formação acadêmica influenciada pelas corporações e elites médicas.

Em breve teremos um médico que cuida de lesão do lado esquerdo do coração, e outro para o lado direito.

Esta condição traz um sobrecarrega o SUS com demandas por exames e procedimentos, quando a OMS nos diz que a solução (ao menos em 60% dos casos) é atendimento clínico e exames baratos e de baixa complexidade (como hemogramas, e raios-X).

Esta especialização anda junto com outro bando, o das empresas de tecnologia de diagnóstico por imagens, que ajudam a criação desta falsa demanda, deste a formação dos médicos e pesquisadores, sob a desculpa de ajudarem a salvar vidas, quando investem nos laboratórios de pesquisas médicas avançadas, que depois solicitarão seus caríssimos equipamentos nas redes públicas.

Tais processos, como todo funcionamento das redes econômicas capitalistas não distribuem a todos os envolvidos os mesmos prêmios, e por óbvio, alguns médicos já percebem que houve uma padronização e proletarização da atividade médica, com alguns muito bem sucedidos, enquanto a maioria chafurda entre quatro, cinco ou até seis vínculos, desdobrando-se em dezenas de plantões.

Ok, tudo bem, mas eu pergunto: 

Será que o acesso a tais sofisticados meios de diagnósticos e tratamentos prognosticados por ultra-especialistas estarão ao alcance de todos, aí incluídos os mais pobres?

Certamente não.

Serão atendidos os que conseguirem ultrapassar os "filtros", agora pomposamente chamados de SISREG, ou Sistema de Regulação, e que nos vendem a mesma ilusão de incorruptível distribuição de vagas (como a tolice das urnas do TSE  - novamente, risos), enquanto os mais ricos e seus planos de saúde terão estes procedimentos sempre disponíveis nas redes contratualizadas, que usam a verba SUS para aquisição destes equipamentos, e atendem de forma desigual os pacientes segurados e "públicos", quando não vendem diretamente aos pacientes privados, que sabemos, descontarão as despesas no IRPF.

Fechando este ciclo, claro,  mais poderosa máfia, a da indústria farmacêutica, ela mesma a precursora e maior operadora deste sistema de criar o problema e vender a solução.

Desde o uso incentivado e criminoso de antibióticos, através de sedução e assédio dos médicos pelos propagandistas e seus vastos orçamentos de suborno, até a influência na pesquisa médica do mesmo modo que as empresas de diagnóstico por imagem, só que com um alcance muitíssimo maior e mais prejudicial aos sistemas públicos de saúde do mundo todo.

Detalhe: hoje em dia, o exército de propagandistas das farmacêuticas, que manipulam enormes verbas de suborno, são mulheres de ótima aparência.

Quanto sutileza, não?

Claro que não podemos abrir mão do que temos, mesmo com todas as imperfeições descritas acima, mas o fato é que a defesa genérica de modelos chamados de públicos, estatais e universais, que de públicos, estatais e universais nada têm, é irracional e só favorece o aprofundamento das distorções e da disseminação de um discurso baseado na frustração da maioria excluída, que de certa forma representa uma parte da realidade:

O SUS não atende a todos da mesma forma, e é mal gerido.

Estas são meias verdades, que acabam por justificarem o ataque ao SUS pelos interesses privados.

Na verdade, o SUS, como toda política pública no sistema capitalista, é feito para aumentar as desigualdades e para excluir, enquanto engorda o caixa das corporações que o parasitam, embora dê a impressão de que tais distorções sejam erros (gestão) problemas "morais" (corrupção), ou enfim, impossibilidade de que algo que seja público seja eficiente.

O pulso ainda pulsa...e parafraseando a peça de propaganda:

Imagem é tudo, saúde não é nada...


 

2 comentários:

  1. O artigo nos remete ao texto de Lenin sobre o papel das Cooperativas no capitalismo, no congresso de Copenhague da Internacional Socialista: Ruim com elas, pior sem elas...

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  2. Recentemente, quer dizer, nem tão recente assim, surgiu como resultado de complexificação das redes e arranjos econômicos (diferente do contexto de Copenhague), as redes de micro-crédito, e as redes de moedas sociais. Paliativos que apesar da aparência inclusiva, não subtraem a natureza hierárquica das esferas econômicas do capital, ainda que travestidos de "auto-defesa" econômica.
    Ainda que as moedas sociais sejam um avanço em relação ao micro-crédito, o fato é que elas são incapazes de reformar as estruturas desiguais e acabam por esbarrar no limite que estas moedas trazem em si (a incapacidade de significarem a produção de valor, justamente porque não há criação de valor na circulação delas).

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