quinta-feira, 11 de março de 2021

A era do fim das coisas como serão!

Nos últimos meses, melhor dizendo, nos últimos anos, uma boa parte da teoria das ciências sociais, políticas tem se dedicado a entender este momento que parece ser o de uma transição do capitalismo como forma de organização social produtiva, que tem por base a acumulação pela expropriação da mais-valia extraída do trabalho adquirido através da remuneração salarial.

Neste grupo de pensadores, o destaque é, na minha opinião, para um bom time de geógrafos, que parecem ter saltado à frente da anemia intelectual dos historiadores, sociólogos, antropólogos e cientistas políticos.

Talvez na esteira do David Harvey, o geógrafo britânico um dos maiores entendedores do que se passa no mundo hoje.

Não citei economistas de propósito, pois os considero como meros charlatães, um tipo de "parapsicólogos sociais", tão desprezíveis quanto inúteis em sugerir narrativas, ao mesmo que tentam em desespero torná-las reais com seu suposto dialeto, o econômes.

Não sabemos se esta "hegemonia da Geografia" se dá porque o fim do capitalismo, que é um sistema produtivo que se organiza tendo o locus (espaço) como um dos pilares, indica que sua próxima fase prescindirá em muito desta premissa espacial (da geografia do capital pelo mundo).

Mas o fato é que os geógrafos estão na crista da onda, e procuram nos fornecer bases teóricas robustas, com ênfase na atualização do pensamento marxiano, que apesar de reconhecidamente não resolver todos os nossos problemas (e nem pretendia, diga-se), ainda é o mais atual e agudo modo de entender a realidade capitalista que dispomos. 

Muito se fala hoje em "capitalismo de dados", "capitalismo de vigilância", "capitalismo financeiro", etc.

Me parece, com toda minha ignorância intelectual, fundada em meu total desprovimento acadêmico, que a corrida é para dar antes um nome para chamar de seu, garantindo loas à vaidade pessoal da primazia da nomenclatura, deixando de lado a necessidade de real entendimento do que se passa.

É um desejo legítimo, porém inútil, porque a vaidade, sabemos, é a mãe de todos os pecados capitais.

Há muito tempo atrás, acho que eu tinha uns 17 ou 18 anos, nosso debate era se o período compreendido entre o fim do feudalismo e o início do surgimento das cidades (burgos), criadas  a partir de acumulação primária dos excedentes comerciais (rotas das especiarias, mercados locais, etc) e das inovações tecnológicas, poderiam ser chamadas de capitalismo mercantil ou pré-capitalismo.

Uma grande asneira, que nos subtraiu a compreensão em perspectiva histórica de um grande flagelo que foi justamente o responsável, isto é, como mola mestra indispensável a acumulação de riquezas para a fase industrial que se seguiria: a escravidão africana.

Como boa parte das escolas de pensamento vinha da Europa, havia uma espécie de consenso-de-negação de que as vantagens competitivas deles na geopolítica do capitalismo de então e até hoje eram resultado da imposição deste suplício africano.

Este assunto jamais foi tratado como devia, dando-nos a entender que o capitalismo era algo que só poder ser considerado como fruto da explosão industrial, que por suas vezes era a consequência de combinação daquilo que Harvey chama de condições essenciais do capitalismo (acho que são sete ou oito, não me lembro), dentre as quais destaco os recursos naturais, inovações tecnológicas, ambiente propício (locus,  já que naquele tempo, mais do que hoje, o que determinava o sucesso ou insucesso de empreitadas era a proximidade com portos e entre centros produtores e mercados, etc).

Bem, creio que ninguém duvida de que qualquer forma de organização social e dos meios de produção não prescinde de gente.

No entanto, essa assertiva não nos garante que será sempre assim.


A despeito da minha ranzinice com este pessoal que advoga a tese do "capitalismo de vigilância ou de plataformas", não deixo de reconhecer que ali há alguma construção teórica a ser aproveitada, embora falte perspectiva histórica ampla e mais conhecimento de Marx, ou de Harvey, ou de outras contribuições preciosas, como a de Kurz (Robert) e sua escola da Crítica do Valor.

Há também os que já enxergam os pressupostos da "escravidão digital", mas que bebem na mesma fonte de erros, ou seja, esquecem de ler o bom e velho Marx, na sofreguidão de herdar seu legado na elaboração teórica desta envergadura.

Como já disse, é uma pretensão válida, que tem se mostrado até aqui inútil.

Vou dar um pulo à frente, e depois volto aonde estamos.

O que estas escolas atuais parecem desconhecer é o componente humano aqui colocado, apesar de dizerem o contrário:

Se na transição feudalismo x capitalismo a força humana de trabalho escrava foi não só fundamental, como imprescindível à acumulação primária, persistindo até bem tarde nas franjas coloniais que ainda sustentavam parte do arranjo capitalista, é novamente agora a força humana escrava que dá sustentação a nova transição, onde a forma anterior de organização do trabalho deixa de ser relevante.

No feudalismo, as formas de assentamento da força laboral obedeciam os critérios rígidos da estrutura hierárquica de classes e nascimento (nobres, Igreja e não nobres), porém que permitiam aos servos uma fixação em seu ambiente (terra), e recebia como resultado parte do produzia, e tais excedentes em algum tempo foram tão significativos a ponto de criarem condições de escambo, que deram origem às cidades, ao dinheiro, sistemas bancários e as bases de lançamentos da aventura colonial.

Claro que esse processo que eu narro aqui não é uma linha reta, mas é fato que se nem todos os servos conseguiram juntar recursos e se tornaram burgueses, não podemos negar que como Marx descreveu, foram as contradições dentro do próprio arranjo feudal que ofereceram as condições de sua superação, sendo que o eixo principal do surgimento de nova etapa que os transportou até o capitalismo era a criação de uma brutal hierarquia entre os povos que se aproveitavam desta transição, e o gigantesco contingente de pessoas incorporadas a este processo como escravos e povos subalternos (colonizados), a quem pouco ou nada dos frutos desta acumulação eram permitidos.

O grande nó agora, é que o capitalismo atingiu um patamar tão alto em sua tarefa de acumulação, que concentra a riqueza nas mãos de um pequeníssimo grupo, distante dos demais por uma abissal desigualdade.

Novamente sua transição busca "novos escravos" para permitir que a mudança de uma Era para outra se dê sem que os ocupantes das camadas inferiores sejam os atores da superação das condições de exploração a que estão submetidos.

E quem são estes novos escravos?

Todos nós.

Explico:

A definição clássica de escravidão não nos servirá aqui, que consiste em termos rasos como a objetificação da mão-de-obra, associada a restrição ambulatória (impossibilidade de ir e vir), e ausência de remuneração constante pelo trabalho  (trabalho concreto), e portanto, impossibilidade de "escolher" para quem vender este ativo (força de trabalho), e enfim, sujeitos de direitos positivados no estamento e capazes de adquirirem bens e serviços produzidos por eles mesmos.

Porém, se sabemos que a "escravidão clássica" antes se dividia por uma escolha geo-étnica (africanos e nativos dos locais colonizados), a "nova escravidão" se define antes por classe social e pela geografia econômica Norte-Sul (por que não dizer, também geopolítica?).

Dentro dos arranjos nacionais e ao redor do mundo, são as classes pobres e assalariadas indispensáveis de antes, pois eram importantes como regulação de preços de estoque do trabalho, como exército de reserva como mão-de-obra, os novos candidatos perfeitos à condição de nova escravidão.

Na medida em que o PIB mundial da produção e desta "troca" capital x trabalho se esgota, onde o estrangulamento da acumulação capitalista via produção aponta dia-a-dia para uma avalanche global de "não-significação" do trabalho e da sua relação com um capital cada vez mais débil, o trabalho "livre e assalariado" caminha para "retornar" à forma de acumulação que prescinde dele nesta nova estrutura de acumulação.

Se na escravidão, a alienação em relação ao produto se dá antes da incorporação como trabalhador, mas garante a ele como "objeto-trabalhador" chances de manter-se vivo pelo interesse do seu dono em garantir o máximo de retorno ao investimento feito para adquirir este "objeto-trabalhador", na nossa atual "escravidão" esta alienação se dá pela total realização da super-expropriação e da redução da capacidade do trabalho em auferir alguma renda para escapar da mera subsistência, sendo que o "dono-patrão" pouco se importa com a tais condições, pois nada investiu, pois a força de trabalho ("objeto-trabalhador) não custou nada.

Nós que contamos mais de 40 anos, por certo nos lembramos que os equipamentos periféricos para os computadores pessoais (chamados de "desktops") apareceram por um preço proibitivo, até serem popularizados e horizontalizados a preços acessíveis.

Junto com esta diminuição de preços experimentamos o aumento brutal dos insumos (os cartuchos de tinta), que hoje custam tão ou mais caros que tais periféricos.

Este padrão se observa em todos os itens atuais, o que me levou a fazer uma brincadeira: vamos ter que penhorar o carro ao posto para comprar a gasolina.

Este chiste é uma representação fiel do nível que chegamos na organização econômica, onde adquirir os bens de consumo, e/ou os bens de capitais nos custará muito menos que os insumos necessários para fazê-los funcionar.

Outro exemplo: eletrodomésticos e o custo da energia, os preços dos tributos dos imóveis e sua manutenção (taxas condominiais) e o baixo custo dos alugueres que os remuneram, o acesso a tecnologia de telefones e o custo da internet para acessar as plataformas ali contidas, e por aí vamos.

Nestes tempos, há uma quase imperceptível alteração nestas esferas econômicas, onde nós somos sugados para nos transformarmos em ativos, quando nossas remunerações cada vez mais escassas nos impedem se exercermos escolhas que nos diferiam da "escravidão clássica" (para quem vender a força de trabalho, ganhar o suficiente para subsistir, escolher onde morar, etc), e que agora, vão nos igualando àquela condição que eufemisticamente chamam de "condição análoga à escravidão".

Junto, e como relação de causa-e-efeito, as formas institucionais de representação política antes aceitas como meios de pacificação de conflitos e de gestão dos  locus capitalistas,  parecem dissolver frente a frenética liquidez do ambiente político e dos chamados padrões e princípios de organização social.

Esta condição, que para nossa visão míope de classe média parece tão longínqua, é a realidade de 2 ou 3 bilhões de pessoas ou mais ao redor do planeta, e que tem com exemplo mais gritante o chamado "sucesso chinês", cantado e decantado em verso e prosa pelos nossos sacerdotes do mercado e da "mídia especializada" como exemplo, ao mesmo tempo que ignoram a contradição implícita com seus alegados discursos de "liberdade individual" e anti-Estado, já que a China é antes de tudo, uma ditadura rígida.

Não é exagero dizer que estes exércitos de autômatos (principalmente no Sudeste Asiático, mas também presentes em SP, o caso do bolivianos e haitianos) estejam em condições iguais ou piores que escravos africanos do Século XV em diante.

Não lhes falta nem a aplicação de castigos físicos, e talvez mais severos diante da antiga visão pragmática dos senhores coloniais de escravos, que mantinham seus melhores escravos em condições mais dignas que estes trabalhadores atuais, como forma de preservação de seu investimento em adquirir os negros.

Hoje, esta imobilização de capital para aquisição de escravos foi abolida, já que os "novos escravos" disputam ferozmente posições para servirem aos "novos senhores", ou seja, os "novos escravos" são bem mais baratos economicamente.

Não é preciso cruzar mares para sequestrá-los, eles vêm de todos os cantos, e se arriscam em barcos pelos mares, ou já estão por perto.

Outra ponta da nova escravização está aqui, neste blog, na sua rede social, nas suas ou nossas plataformas digitais, onde bilhões de pessoas trabalham diariamente para gerar conteúdo que entregam de graça aos donos destes conglomerados de informação, que ainda garimpam e comercializam, como bônus, todos os aspectos sócio-interacionais dos perfis dos seus "escravos digitais", como preferências políticas, de consumo, de costumes, etc.

Exemplo deste novo mundo: corporações jornalísticas, debatendo-se inutilmente contra o monstro digital que as devora, pediram judicialmente indenizações pelo conteúdo produzido por elas, e apropriado gratuitamente pelas plataformas digitais.

Só nós não percebemos ainda do que se trata: quando o serviço é de graça, o produto somos nós, alguém já disse.

Esta é escravidão muito, mas muito mais complexa e intransponível que a "clássica".

Já que ao que tudo indica, ao contrário do processo de escravização colonial (Século XV e XVI em diante), que buscava a acumulação primária, e depois se esgotou pela necessidade de dotar os escravos de capacidade de virarem mercado consumidor, este novo modelo se prepara para eliminar cada vez mais a necessidade de se abastecer na relação gente e produto do trabalho desta gente, já que parece claro que a gente, ou o ser humano é que será seu principal produto.

É a exacerbação de um modelo que restou na época dos escravos coloniais, quando o tráfico de gente, em algumas economias passou a ser mais importante que a própria economia produtiva em si, como em Campos dos Goytacazes e algumas cidades nordestinas, mas que esbarraram nas barreiras ditas reais e físicas, já que em certo tempo interessou aos centros capitalistas a incorporação destes contingentes então escravos ao mercado de seus produtos industriais, ainda que como incidentes periféricos e subalternos.


Hoje, a auto-suficiência dos planos digitais, anexadas às formas de alavancagem financeira, criando uma grande dimensão de serviços e fluxos de informações daí derivados, revela que a objetificação da Humanidade caminha para seu ápice.


Não há nada de moderno no primitivismo que se aproxima.

Não  há nada de avançado na civilização que se anuncia.


 




terça-feira, 9 de março de 2021

Dr Fachin ou Dr Gilhotin

  



Dr Joseph-Ignace Guillotin e sua mais famosa invenção

Terror foi o nome dado a certo período (1793/1794) do movimento político conhecido como Revolução Francesa, que levou a burguesia daquele país ao poder, após destituir violentamente a nobreza, quando foi realizado um dramático expurgo de mais de duas mil pessoas, que literalmente perderam a cabeça.

Em um ano, os Jacobinos de Maximillien de Robespierre não pouparam quase ninguém, muito menos dentre os antigos aliados, bastasse qualquer dúvida do comprometimento com as causas revolucionárias.

O artifício do poder em criar "inimigos" e governar pelo pânico não era novidade, mas talvez o movimento jacobino tenha inaugurado uma nova forma de veiculação de terror político, se bem que a Inquisição Católica não podia ser desprezada como tal.

O fato é que tal expediente tornou-se cada vez mais comum, com mais ou menos sangue no caminhar da História desde então, mas guardando similaridades de métodos e objetivos, apesar de reivindicarmos que a civilização (ou a Humanidade) "avançou" no quesito resolução de conflitos políticos (de classe).


Longe de mim criar qualquer analogia entre os integrantes do PCC (Primeiro Comando de Curitiba) e os jacobinos, ou elevar estes infames personagens à importância daqueles que mudaram a França e o mundo depois de 1789.

Fiz esta introdução apenas para criar um paralelo entre o nosso terror pós 2016, e a figura do juiz Fachin.




Pode-se dizer, mal comparando, que o juiz em questão criou, com sua decisão de ontem, uma tentativa de tornar mais palatáveis as execuções de biografias políticas, depois de ter compactuado com elas por um bom tempo.

O gesto traz alguma semelhança com as iniciativas do médico francês que deu seu próprio nome a sua invenção.

Porém, as aparências enganam.

Não há qualquer rasgo de humanismo em Fachin.

Enquanto o médico buscava uma forma de minorar o sofrimento, já que questionar o Terror era impensável, o juiz brasileiro foi ele mesmo um dos responsáveis pelas caças às bruxas, que agora ele quer dar um verniz de tecnicidade jurídica.

É um jogo cruel, e que precisa certa sincronicidade política, apesar de não haver muita certeza de controle total sobre os resultados.

Explico:

A decisão de ontem não questiona o mérito das sentenças anuladas, como já sabemos, e as remete ao TRF-DF (1 ª Região), junto com a decisão sobre a validade das provas colhidas quase que em semelhança com as masmorras da Inquisição.

Ao mesmo tempo, Fachin tenta esvaziar o julgamento desta questão em sede de HC na 2 ª Turma do STF, onde sabidamente o resultado não lhe seria favorável, além de que tais votos favoráveis à alegação de suspeição (estima-se que 3 dos 5 juízes daquela câmara) exporiam as entranhas do Judiciário, e o conluio da mais alta Corte do país com o PCC/PR.

Outra questão adjacente, e não menos importante, é criar no âmbito das hostes defensivas a obrigação de legitimar a ação do STF já que a anulação das sentenças lhe foi "favorável", ou seja, mantém Lula refém de um processo ilegal, injusto e desproporcional, e ainda preso aos efeitos do desdobramento deste.

O objetivo não é mais gravar a biografia de Lula com a pecha de culpado, ou de "ladrão".

Pelo menos, essa abordagem não foi suficiente para tolher dele todo seu capital político nacional, influência internacional, e mais, não acabou com o seu partido.

Na atual conjuntura de agravamento das condições sociais, derivadas da gestão ultra-liberal, ao contrário, o capital político do petista só cresce.

Este conceito de culpa do Lula só resiste entre os fanáticos da direita, e outros cínicos que se aproveitam desta tese.

Qualquer pessoa de bom senso, ainda que não petista, e mesmo o mais  empedernido conservador sabe dizer que não houve processo legal algum, logo, a sentença é apenas um ato de violência estatal movida por interesses econômicos e políticos.

De fato, toda sentença é porque só ingênuos acreditam em um poder judiciário que aja à salvo destas ingerências.

No entanto, até para a ação classista e partidária do Judiciário há limites.

Com Lula e o PT todos estes limites foram ultrapassados, desde 2006.

A meta agora com a decisão fachinista é manter o candidato, e talvez o futuro presidente com a lâmina da guilhotina sobre seu pescoço, o tempo maior que for possível, fornecendo esta narrativa à direita e ao centro político.

É bom lembrar aos que desejam que o tempo seja um fator favorável, com a incidência de prescrição (com tempo diminuído pela metade para os maiores de 70 anos), que o TRF-4 (da região sul) julgou o processo de Lula em tempo "nunca antes visto na história deste país".

Nem vamos considerar que se tratavam de eventos de alta complexidade, e claro, sem hipocrisia, da estatura histórica dos personagens envolvidos, e das consequências históricas resultantes das sentenças.

Tudo em fast-justice para tornar o presidente inelegível, e manter intactos os fatos que motivaram sua prisão.

Uma execução sumária dos direitos políticos e ambulatoriais do ex- Presidente.

Na Inquisição havia os Autos de Fé, aquela procissão pública onde se levavam os hereges ao público, que assistia extasiado os suplícios finais no cumprimento das "sentenças".

Antes do cortejo, os inquisidores "ofereciam" aos hereges, dependendo das ofensas que lhes eram atribuídas, a possibilidade de uma morte rápida ou de sobreviverem, desde que confessassem os pecados, heresias, e infrações ao Direito Canônico.

Algo como Fachin tentou fazer agora com Lula.

Se continua a aceitar a farsa processual (e de fato, não tem outra alternativa agora), ele se beneficia da decisão que declarou incompetente seu inquisidor (juiz de Curitiba), sem que questione os atos criminosos (suspeitos) praticados por ele (juiz), pelos procuradores e policiais.

O réu (Lula) confessa seus pecados, mas pode se livrar dos suplícios finais, mas ratifica que os mereceu até então!

É preciso reconhecer que Lula ele mesmo se submeteu a esta tortura institucionalizada, quando rejeitou a possibilidade de se asilar em outro país, ou até mesmo instigar a resistência popular aos atos ilegais do Judiciário.

Mesmo entendendo as diferenças entre a Bolívia de Evo Morales, ou o Equador de Rafael Correa, nenhum líder da envergadura deles e de Lula deveria se curvar a um processo ilegal.

Evo e Rafael entenderam isso, e pouparam suas populações de alguns anos a mais de retrocessos.

Lula não, e ainda sofre de alguns "aliados" o questionamento se ele não deveria ceder seu lugar para que outro herde seu capital político, e ocupe seu lugar na História.

Ao final, cabem as perguntas, ainda que Lula acabe livre, candidato e presidente eleito, e/ou até inocentado pelos atos suspeitos do juiz:

O sistema funciona?

E mais:

Se um ex-Presidente foi vítima de um processo desta natureza, foi preso e julgado ilegalmente por um juiz suspeito e incompetente, o que esperar no tocante ao resto de nós, pobres mortais...?

Justiça?

No Brasil, a imagem da Justiça não deveria ser mais uma balança vendada, e sim uma guilhotina.








 



quarta-feira, 3 de março de 2021

Sobre mídia, lava-jato, judiciário e outros sócios das elites subalternas.


Ilustração de cena de punição inquisitorial.

Não há mais dúvidas.

Salvo entre os fieis extremados do nossa ultra-direita-macunaíma, de que os processos judiciais movidos contra o PT, Lula, Dilma, etc, e uma parte de seus aliados obedeceram uma lógica calculada e sistêmica.

Estes "autos de de fé" (Inquisição) funcionaram como uma arma política para dotar os setores conservadores de capital político para oferecerem um contraponto àquilo que eles desenharam como uma hegemonia "vermelha".

Há vários problemas a serem tratados nesta análise.

O primeiro deles é a hipérbole cínica de fazer crer a todos que os setores de esquerda/progressistas contavam com mais poder do que realmente detinham.

Este truque é genial, e nasce das táticas militares semióticas, ou guerras híbridas, como preferem alguns.

Quando dou dimensão diferente (maior ou menor) ao adversário, e quando posso controlar a narrativa sobre ele (como é o caso da esquerda brasileira e da sua relação com a mídia), eu impeço que este adversário possa avaliar si mesmo, e por consequência, nublo sua capacidade de avançar e/ou reagir.

O PT entre 2002 e 2016 não era uma força preponderante capaz de alterar ou ameaçar alterar as estruturas de desigualdade capitalista no país, ao contrário, obedeceu fielmente as regras "republicanas" e da ortodoxia econômica, praticando um semi-keynesianismo-caboclo ou um desenvolvimentismo avexado, tímido mesmo.

A partir desta noção errada, dentro de um governo de coalizão, sem saber ao certo seu "tamanho", já que a agenda eleitoral exige exageros para o sucesso sufragista, o PT naqueles tempos de "conforto econômico", resultante do crescimento da base exportadora primária (as tais commodities), achava que podia demais.

Com o avalanche judicial passou a achar que podia de menos.

Pode parecer besteira voltar a 2006, ou a 2013 ou a 2016, mas o fato é que a ressaca atual vivenciada pelo PT e suas lideranças é fruto desta percepção equivocada, não tanto pelas "traições" praticadas por "aliados" que tão logo que puderam pularam de lado, e passaram a integrar as forças golpistas, mas principalmente pelo fato do PT e suas lideranças entenderem que sua queda foi maior que foi na verdade.

O PT, como vemos, nunca achou o tamanho certo de seu poder.

Como um ente político bipolar, o PT oscila entre acreditar que está no fundo do poço, e cede a manipulação cretina da mídia e seus sócios, que transita de creditar ao PT uma ameaça de socializar o país, ou tornarmos uma Venezuela, e depois diz que o PT "acabou".

Na outra ponta, Lula e o PT acreditam que mantêm intactas as bases de seu pacto reformista, apostando nas mesmas soluções "republicas", institucionais ou representativas de sempre, sem enxergar seu esgotamento, e mais, sem propor qualquer outra tática ou estratégia se superação delas.

Ao lado desta concepção, está a mídia que nega qualquer espaço ao PT como ator político, ao mesmo tempo que vende o PT como enorme ameaça, esta mesma mídia conclama todos ao centro para evitar o PT, pois é a principal força radical antagônica a Bolsonaro, que se iguala a ele no extremismo.

Para a mídia, embora o PT esteja "derrotado", ele (o PT) nos levaria a uma situação onde o país esticaria-se entre dois vetores contrários e de mesma intensidade, sob o risco de colapso.

É este jogo parte da confusão que a mídia sugere, e o PT acredita.

Mentiras, mentiras, mentiras.


Em nenhum, repito, nenhum momento a primazia capitalista esteve ameaçada de sequer um arranhão leve em sua carcaça estrutural, movida pelos eixos da exploração/acumulação permanente, geradoras de intensas desigualdades.

Assim, as tarefas que eles imaginam em estado adiantado, que vão desde forçar o PT a mover-se mais para a direita, e se diluir ainda mais no chamado "centro", enquanto aprofundam as medidas econômicas caras ao ultra-liberalismo, revelam a atual inutilidade do lavajatismo.

Isto não implica que outros modelos de lawfare não possam ser usados, e pior, que estejam sendo usado, como no caso da PGR, da intervenção no STJ, MP/RJ e enfim, no STF.

Porém, o processo capitaneado pelo PCC (Primeiro Comando de Curitiba) já demonstra que seu espaço está reduzido.

O "tribunal do PCC de Curitiba" trouxe o ambiente político ideal para o aumento dos ganhos da banca, e imobilizou preventivamente qualquer ideia de um novo governo para reverter o quadro, pelas dificuldades parlamentares de sempre (sub-representação das forças progressistas) .

Portanto, ele (o lavajatismo) agora se esgota não pela revelação das mensagens do PCC e seu líder Moro, porque qualquer rábula de Direito, que tivesse um mínimo de vergonha na cara (são poucos, é verdade), diria que os processos do PCC estavam mais para os "tribunais do PCC/SP" que para devidos processos legais-penais, mesmo sem ter conhecimento daquelas conversas indecorosas.

A dúvida (talvez retórica) é agora saber por quê os associados ao PCC de Curitiba não estão nos bancos dos réus, ou presos preventivamente, quando poderiam nos ofertar delações interessantes?

Eis a resposta.

Agora é hora de rearrumar a "casa" do judiciário, e tentar poupar sua cúpula (STF, STJ, etc) da vergonhosa prestação de contas que nos deveriam (caso isso aqui fosse algo parecido com um país), não por pena dos "Ilustres Magistrados", mas antes para permitir que possam ser usados de novo, caso outra ameaça vermelha apareça no horizonte, ou que aja algum ímpeto revisionista do golpe de 2016, e das medidas ultra-capitalistas que destroçaram nossa já cambaleante estrutura de proteção social.

Por isso, a "punição" ou o descarte do PCC de Curitiba vai seguir a mesma rotina de hipocrisia, seletividade, desfaçatez, ingredientes habilmente manipulados pela mídia e pelas elites subalternas a serviço das elites dos países ricos.

Se os "processos do tribunal do PCC/PR" foram rápidos, de exceção mesmo, como sequestro de acusados em prisões ilegais, e toda sorte de coações, sem mencionar as fundadas suspeitas de interesses patrimoniais de advogados de "defesa", operadores da indústria de delação premiada, e que poderiam estar apaniguados com juízes e promotores (caso Tacla Durán, por exemplo), não veremos a mesma "pressa" para corrigir os seus "erros" (nome delicado para chamar os crimes).


Também teremos espaço para alguma "rendição" da mídia, que tal e qual em 64, quando só recentemente "pediu desculpas", tentará inferir que foi levada pela boa-fé, ou pelo interesse nacional do "combate à corrupção".

(risos)

Pequenas notícias:

- O caso VISANET, que deu sustentação a tese da ação 470, aquela chamada pela mídia de "mensalão", quando dentre outras aberrações temos o voto da juíza Rosa Weber, que inacreditavelmente condena José Dirceu não pelas provas, mas "pelo que permite a literatura" (um tipo de power point de convicções sem imagens, só texto), agora recebeu a classificação correta: 

FOI UM CASO FRAUDULENTO, pois nenhum dos recursos depositados no chamado fundo era ESTATAL, e 90% destes recursos FORAM REALMENTE GASTOS EM CONTRATOS LÍCITOS DE PUBLICIDADE!

Henrique Pizzolato, preso, caçado internacionalmente, destruído, falido, agora será considerado inocente de boa parte dos principais delitos pelos quais foi condenado, e por certo, sem crimes próprios de servidores públicos (corrupção ativa, passiva, etc) não se pode sustentar a tese basilar da farsa:

De que o dinheiro era desviado para "comprar" votos e apoio partidário-parlamentar.

- TCU pediu hoje ao STF as mensagens do PCC de Curitiba, para avaliar suas decisões acerca de supostos atos e infrações do governo do PT e aliados na sua esfera de atribuição.

- Ontem, por 3 votos a 2, dentre outros, o presidente da Câmara dos Deputados teve sua ação penal suspensa e invalidada, com uso do conteúdo das mensagens do PCC de Curitiba, onde o juiz Gilmar Mendes cinicamente usa como base de argumento da sua tese, de que a ação impugnada era uma criminalização da ação política e partidária, mas diz que não as valida (as mensagens) por tal citação.

(risos)

Mais contorcionismo hermenêutico nem Kafka sonharia em pensar.

O juiz Gilmar segue seu voto (de fé?), e considera que a denúncia deveria ser inepta, por conter apenas delações, e declarações de delatores sobre outras delações (delações cruzadas, nas palavras do "ínclito" Gilmar Mendes).

Ou seja, o que valeu para o PT, agora não vale mais.

Será que Lula, Dilma, Zé Dirceu, Genoíno, enfim, o PT aprenderam alguma coisa?

Tomara que sim.





segunda-feira, 1 de março de 2021

Colocando em pratos limpos?



Não nutro grandes simpatias pela categoria dos médicos, e guardo apenas algumas raras exceções em avaliações positivas, que no entanto, no meu leigo entender só confirmam a regra.

Sou capaz de compreender, e acho que até já escrevi algo sobre isso, que as corporações laborais tendem a responder aos processos de precarização a que estão sujeitas ao longo do tempo, e daí surgem as distorções no comportamento daquelas dedicadas ao atendimento ao público sempre acontecem.

É um efeito da exploração capitalista, que ao mesmo tempo exaure as condições dos serviços públicos, impõe ainda mais seletividade nestes atendimentos, quando aos mais pobres é dedicado um descaso muito maior.

No entanto, a categoria médica sofre de um tipo de esquizofrenia incomum, porque ao mesmo tempo que não entende a proletarização de seu trabalho, um tipo de estado de negação comum, quando seguem se imaginando um tipo privilegiado da "elite branca", sofrem os efeitos de um tipo de transtorno delirante de grandeza.

Quem assistiu a série "The Undoing", com os ótimos Hugh Grant e Nicole Kidman nos papeis principais vai saber o que digo.

Para quem não viu, fica a dica, quando puder, assista!

Em resumo, o citado transtorno se manifesta de várias formas, como qualquer distúrbio psiquiátrico, e longe de mim chamar todos os médicos de psicóticos, mas o fato é que boa parte deles expressa nas suas ações sintomas que podem ser associados ao transtorno.

Para o portador, via de regra, o mundo todo gira em torno de si, e seus atos de extrema bondade ou heroicos não acontecem com reconhecimento da necessidade do outro, com um ato de empatia, mas simplesmente para preencher a enorme lacuna egoística do transtornado, um tipo de sadismo especial.

Mais ou menos como nossa classe médica brasileira: 

Mimados e com licença para escolher quem morre ou quem vive.

Querem tudo ao mesmo tempo agora, querem ser reconhecidos, nunca questionados, bem remunerados, mas também querem escolher em que condições trabalhar, e o fazem sempre às custas da reserva de mercado rigorosa que a categoria estabelece.

Rejeitam qualquer proposta de alívio da demanda por profissionais, como foi o caso do programa Mais Médicos (os médicos de Cuba), ou com o impedimento de que o ensino médico seja algo acessível a mais gente.

Aumentar os investimentos públicos e ampliar as vagas nas vagas de universidades públicas, derrubando as estratosféricas mensalidades dos "shoppings centers acadêmicos"?

Nem pensar!

Se queixam de sobrecarga, mas chantageiam os gestores públicos justamente por causa desta falta de médicos para ocuparem as vagas nos serviços públicos.

Se concentram no Sul e Sudeste, onde está o dinheiro, ao mesmo tempo que dizem ser a profissão um "sacerdócio".

E por que tocar neste assunto em uma segunda-feira, 01 de março de 2021?

Não pude deixar de notar a repercussão do caso do vídeo da médica do HGG, em Campos dos Goytacazes, que supostamente nega atendimento aos pacientes, enquanto remete-os a reclamar com o prefeito, atribuindo a ele o caos na saúde.

Sem entrar no mérito em si, pois só uma apuração correta poderá concluir o que houve de verdade, eu fico a imaginar o seguinte:


- Caso o fato se desse no hospital da Unimed, ou outro estabelecimento de saúde privado qualquer, este vídeo aconteceria deste mesmo modo?

Uma médica assoberbada em um plantão (e eu mesmo já presenciei isso várias vezes no Pronto Atendimento da Unimed Campos, por exemplo), mandaria o paciente ou o familiar aflito procurar o diretor da cooperativa?

Ao mesmo tempo, haveria o registro da situação em vídeo pelo familiar do paciente pediátrico?

Creio que não.

Talvez o registro em vídeo houvesse, mas nunca alcançaria a repercussão atingida quando se trata da rede pública de saúde.

Já mencionei antes, só uma correta apuração dirá se a médica errou.

Porém, tudo o que aconteceu se resume a um ponto: ela responsabilizar o gestor público pelo ambiente impróprio pelo atendimento.

O Prefeito e seus auxiliares não se inclinarão a responder a população acerca dos ingredientes que alimentaram este caldeirão de omissões e decisões erradas que desarticulam a rede primária e secundária de atendimento à saúde local.

Basta a eles desagravarem o que foi dito pela médica, e dizer "quem é que manda".

A médica, a seu termo, sabe que emprego não lhe faltará, bem como sabe que o corporativismo classista não permitirá jamais que seus pares indiquem que sua conduta foi inapropriada.

Sim, sabemos que a gestão pública hoje se resume a algo parecido com aquele número de malabarismo, apresentado em sua grande parte por orientais, quando equilibram vários pratos na ponta de hastes compridas.

Mas se era para fazer o mesmo que os antecessores, assumiram para quê mesmo?

E observem que desde a transição, o vice-Prefeito foi nomeado como "czar" da Saúde em Campos dos Goytacazes.

Quem sabe teremos mais algumas "vistorias" do Czar-Vice aos hospitais?


Afinal de contas, se hoje governar é definir prioridades, saber dizer "qual prato não pode deixar de girar, e cair", qual é a prioridade deste governo atual?

A BR 101 e o fracasso da concessão a uma empresa PRIVADA, que depois de comer a carne vai deixar os ossos ao setor público, sem sequer ser admoestada juridicamente pelas prefeituras atingidas pelo descaso?

Ou reerguer o setor parasitário sucroalcooleiro, que sorveu bilhões de dólares de subsídios desde o Pró-Álcool, e parece que não satisfaz seu apetite por verbas públicas, embora amem ARROTAR a eficiência da livre-iniciativa capitalista?

Ou será continuar a cevar a rede contratualizada de atendimento de saúde (a rede privada), que recebeu nos últimos anos mais de 200 milhões de reais do orçamento municipal?

Será que o problema é só a médica e sua incontinência verbal?

Quem faz a fama, deita na ca(â)ma(ra)? Um breve momento na Gaiola das Loucas!

  Algo vai muito mal quando juízes e policiais protagonizam política, e pior ainda, quando são políticos que os chamam para tal tarefa... Nã...