terça-feira, 9 de março de 2021

Dr Fachin ou Dr Gilhotin

  



Dr Joseph-Ignace Guillotin e sua mais famosa invenção

Terror foi o nome dado a certo período (1793/1794) do movimento político conhecido como Revolução Francesa, que levou a burguesia daquele país ao poder, após destituir violentamente a nobreza, quando foi realizado um dramático expurgo de mais de duas mil pessoas, que literalmente perderam a cabeça.

Em um ano, os Jacobinos de Maximillien de Robespierre não pouparam quase ninguém, muito menos dentre os antigos aliados, bastasse qualquer dúvida do comprometimento com as causas revolucionárias.

O artifício do poder em criar "inimigos" e governar pelo pânico não era novidade, mas talvez o movimento jacobino tenha inaugurado uma nova forma de veiculação de terror político, se bem que a Inquisição Católica não podia ser desprezada como tal.

O fato é que tal expediente tornou-se cada vez mais comum, com mais ou menos sangue no caminhar da História desde então, mas guardando similaridades de métodos e objetivos, apesar de reivindicarmos que a civilização (ou a Humanidade) "avançou" no quesito resolução de conflitos políticos (de classe).


Longe de mim criar qualquer analogia entre os integrantes do PCC (Primeiro Comando de Curitiba) e os jacobinos, ou elevar estes infames personagens à importância daqueles que mudaram a França e o mundo depois de 1789.

Fiz esta introdução apenas para criar um paralelo entre o nosso terror pós 2016, e a figura do juiz Fachin.




Pode-se dizer, mal comparando, que o juiz em questão criou, com sua decisão de ontem, uma tentativa de tornar mais palatáveis as execuções de biografias políticas, depois de ter compactuado com elas por um bom tempo.

O gesto traz alguma semelhança com as iniciativas do médico francês que deu seu próprio nome a sua invenção.

Porém, as aparências enganam.

Não há qualquer rasgo de humanismo em Fachin.

Enquanto o médico buscava uma forma de minorar o sofrimento, já que questionar o Terror era impensável, o juiz brasileiro foi ele mesmo um dos responsáveis pelas caças às bruxas, que agora ele quer dar um verniz de tecnicidade jurídica.

É um jogo cruel, e que precisa certa sincronicidade política, apesar de não haver muita certeza de controle total sobre os resultados.

Explico:

A decisão de ontem não questiona o mérito das sentenças anuladas, como já sabemos, e as remete ao TRF-DF (1 ª Região), junto com a decisão sobre a validade das provas colhidas quase que em semelhança com as masmorras da Inquisição.

Ao mesmo tempo, Fachin tenta esvaziar o julgamento desta questão em sede de HC na 2 ª Turma do STF, onde sabidamente o resultado não lhe seria favorável, além de que tais votos favoráveis à alegação de suspeição (estima-se que 3 dos 5 juízes daquela câmara) exporiam as entranhas do Judiciário, e o conluio da mais alta Corte do país com o PCC/PR.

Outra questão adjacente, e não menos importante, é criar no âmbito das hostes defensivas a obrigação de legitimar a ação do STF já que a anulação das sentenças lhe foi "favorável", ou seja, mantém Lula refém de um processo ilegal, injusto e desproporcional, e ainda preso aos efeitos do desdobramento deste.

O objetivo não é mais gravar a biografia de Lula com a pecha de culpado, ou de "ladrão".

Pelo menos, essa abordagem não foi suficiente para tolher dele todo seu capital político nacional, influência internacional, e mais, não acabou com o seu partido.

Na atual conjuntura de agravamento das condições sociais, derivadas da gestão ultra-liberal, ao contrário, o capital político do petista só cresce.

Este conceito de culpa do Lula só resiste entre os fanáticos da direita, e outros cínicos que se aproveitam desta tese.

Qualquer pessoa de bom senso, ainda que não petista, e mesmo o mais  empedernido conservador sabe dizer que não houve processo legal algum, logo, a sentença é apenas um ato de violência estatal movida por interesses econômicos e políticos.

De fato, toda sentença é porque só ingênuos acreditam em um poder judiciário que aja à salvo destas ingerências.

No entanto, até para a ação classista e partidária do Judiciário há limites.

Com Lula e o PT todos estes limites foram ultrapassados, desde 2006.

A meta agora com a decisão fachinista é manter o candidato, e talvez o futuro presidente com a lâmina da guilhotina sobre seu pescoço, o tempo maior que for possível, fornecendo esta narrativa à direita e ao centro político.

É bom lembrar aos que desejam que o tempo seja um fator favorável, com a incidência de prescrição (com tempo diminuído pela metade para os maiores de 70 anos), que o TRF-4 (da região sul) julgou o processo de Lula em tempo "nunca antes visto na história deste país".

Nem vamos considerar que se tratavam de eventos de alta complexidade, e claro, sem hipocrisia, da estatura histórica dos personagens envolvidos, e das consequências históricas resultantes das sentenças.

Tudo em fast-justice para tornar o presidente inelegível, e manter intactos os fatos que motivaram sua prisão.

Uma execução sumária dos direitos políticos e ambulatoriais do ex- Presidente.

Na Inquisição havia os Autos de Fé, aquela procissão pública onde se levavam os hereges ao público, que assistia extasiado os suplícios finais no cumprimento das "sentenças".

Antes do cortejo, os inquisidores "ofereciam" aos hereges, dependendo das ofensas que lhes eram atribuídas, a possibilidade de uma morte rápida ou de sobreviverem, desde que confessassem os pecados, heresias, e infrações ao Direito Canônico.

Algo como Fachin tentou fazer agora com Lula.

Se continua a aceitar a farsa processual (e de fato, não tem outra alternativa agora), ele se beneficia da decisão que declarou incompetente seu inquisidor (juiz de Curitiba), sem que questione os atos criminosos (suspeitos) praticados por ele (juiz), pelos procuradores e policiais.

O réu (Lula) confessa seus pecados, mas pode se livrar dos suplícios finais, mas ratifica que os mereceu até então!

É preciso reconhecer que Lula ele mesmo se submeteu a esta tortura institucionalizada, quando rejeitou a possibilidade de se asilar em outro país, ou até mesmo instigar a resistência popular aos atos ilegais do Judiciário.

Mesmo entendendo as diferenças entre a Bolívia de Evo Morales, ou o Equador de Rafael Correa, nenhum líder da envergadura deles e de Lula deveria se curvar a um processo ilegal.

Evo e Rafael entenderam isso, e pouparam suas populações de alguns anos a mais de retrocessos.

Lula não, e ainda sofre de alguns "aliados" o questionamento se ele não deveria ceder seu lugar para que outro herde seu capital político, e ocupe seu lugar na História.

Ao final, cabem as perguntas, ainda que Lula acabe livre, candidato e presidente eleito, e/ou até inocentado pelos atos suspeitos do juiz:

O sistema funciona?

E mais:

Se um ex-Presidente foi vítima de um processo desta natureza, foi preso e julgado ilegalmente por um juiz suspeito e incompetente, o que esperar no tocante ao resto de nós, pobres mortais...?

Justiça?

No Brasil, a imagem da Justiça não deveria ser mais uma balança vendada, e sim uma guilhotina.








 



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