segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Enxugando gelo.

Passadas as eleições municipais, algumas pequenas conclusões, apressadas sim, mas necessárias.

Os processos eleitorais no país, sejam aqueles de repercussão nacional (para escolhas do Congresso, Governadores e Presidente),  sejam os locais, como este que passou, enfrentam uma irreversível rejeição dos eleitores.

Pode-se teorizar um bocado a este respeito, desde o cinismo midiático que ataca a política diariamente para depois conclamar eleitores ao "dever cívico", sabendo que tais ações resultaram em representações cada vez mais distantes dos interesses populares, até as restrições da pandemia, dentre tantos outros motivos.

O fato é que a eleição de ontem apenas confirmou uma tendência, e pior, esta tendência é mundial, ou seja, o desprezo do eleitor.

Em Campos dos Goytacazes o maior contingente de votos foi o não-voto, o que pode indicar (ninguém sabe ao certo) que os eleitores enxergaram as alternativas como iguais, ou incapazes de solucionar os problemas, que de certa forma, suas dinastias políticas legaram a cidade.

O mais grave, no entanto, é que nenhuma alternativa real de poder, e que se confrontasse com estas dinastias, foi construída.

De certa forma, uma análise mais acurada e mais pessimista, revelaria-nos que o processo eleitoral parece se esvair junto com a desestruturação da realidade proporcionada pelo modelo capitalista, que agoniza frente a sua superação pelo modelo que se avizinha, e que dele só temos a intuição que será bem pior que o anterior.

Se as eleições eram a forma política chamada de mais racional dentro da lógica capitalista, mesmo que ela nunca houvesse permitido qualquer governo que ameaçasse as estruturas capitalistas reais de PODER, e quando havia suspeita de tal ameaça, recorriam às rupturas institucionais (golpes), o fato é que com o epílogo capitalista, as relações políticas parecem cada vez mais inoperantes e desnecessárias.

Dos votos apurados ontem, na maior cidade do interior fluminense a partição da cidade foi cristalizada, de um lado a porção mais rica e privilegiada, vocalizando os ressentimentos de sempre ("anti-populistas", e todos os erros conceituais que significam este termo pejorativo), e de outro, os mais pobres, ainda seduzidos pela narrativa simplista e simplória de que haverá políticas "compensatórias" capazes de alçá-los a lugares mais justos na pirâmide social.

Desta contradição, aparentemente irreconciliável, não há caldo de "cultura política" capaz de propor uma alternativa que encontre um mínimo denominador comum, porque na verdade, ele é impossível.

Não se concilia o interesse de um morador da Terra Prometida, no meio de uma vala de esgoto e um barraco de papelão e o morador da Pelinca.

A chamada "via democrática" será sempre incapaz de lidar com este problema, porque o sistema que lhe dá causa (o capitalismo, principalmente este nosso de periferia) tem por natureza a geração desta desigualdade, e não a sua superação.

Para se conciliar algo, é preciso antes dar prioridade a parte de quem mais sofre, e logo, colocar seus interesses acima dos que menos sofrem, e depois, atacar as causas e condições que criam tal sofrimento.

Em resumo: a única chance da "democracia capitalista" é ela ser anticapitalista.

Ou seja: nunca será...

Quando se houve o discurso monocórdio e universal da "austeridade fiscal", que ressoa na boca dos dois então candidatos no segundo turno, tem-se a impressão (ou quase certeza) de que só veremos mais do mesmo.

Na incapacidade ou na covardia de nominar as causas da desigualdade, o discurso do arrocho fiscal agrada a elite e engana os pobres, culpando-os pela própria pobreza, e vendendo a falácia que os sacrifícios fiscais serão sentidos por todos proporcionalmente.

Não serão.

Confirmada a vitória de Wladimir Garotinho nas urnas pelo TSE (o que eu tenho sérias dúvidas), ou convocadas novas eleições, ou nomeado o segundo colocado (Caio Vianna), não há mudança alguma à vista.

Este é o recado de 120 mil eleitores campistas.


quarta-feira, 25 de novembro de 2020

O Feitiço de Áquila

 



Quem tem mais de 40 ou 45 anos se lembra deste filme "sessão-da-tarde", com Rutger Hauer (o eterno replicante de Blade Runner), Michele Pffeifer, e o então garoto Matthew Broderick.

A trama é simplória, mas não menos criativa: Trata de amores impossíveis, reificado na maldição sofrida pelo casal (Rutger e Pfeiffer), condenados a nunca se encontrarem como humanos, ele transformava-se em lobo, todas as noites, e ela vivia como um falcão durante os dias.

Claro que o filme lida com sensações fáceis, mas podemos retirar dali outros sentidos de incomunicabilidades, principalmente neste tempos difíceis de hoje, quando cada relação humana parece condenada a esta mesma incompatibilidade.

Em sentido lato, todos os agrupamentos humanos buscam na normatividade (Direito) a forma mais próxima do ideal para diminuir a tensão e os conflitos da sociabilidade, e caso isso não seja possível, que haja então um sistema de reparação e/ou punição a quem tenha cometido alguma infração às normas impostas a todos, e tais sistemas se dividem, via de regra, em dois grandes ramos: público e privado.

É uma explicação rasa dos sistemas constitucionais, eu sei, mas nem o espaço, e nem o pouco conhecimento deste escriba permitem maiores teorizações.

Com o tempo, diante das mudanças ocorridas nas formas de sociabilidade, alteradas principalmente pela ruptura e surgimento (transição) de modelos econômicos, estas formas originárias (pública e privada) foram se ramificando em subdivisões, mas que guardam na essência as suas naturezas.

É o caso da Justiça Eleitoral no Brasil, um ramo tão híbrido quanto inadequado, que mereceu por isso a alcunha de justiça especial.

Sim, é caso especialíssimo, pois raros os países ocidentais tratam os conflitos eleitorais em um ramo específico da Justiça, dotada de força legislativa (normativa) em seus atos, e que tutela não o conflito, mas a própria noção de organização de partidos e enfim, do próprio exercício dos direitos políticos, mola mestra da cidadania.

Deixemos esta discussão para outra ocasião, porque ela também requer bastante espaço (e conhecimento), matérias raras aqui, como já dissemos.

Hoje a situação como está posta, e que tem em Campos dos Goytacazes (mais uma vez, e como quase sempre) um "espelho do Brasil" (como disse algum presidente, uns dizem Vargas, mas não sei ao certo) nos sugere que a noção basilar dos sistemas normativos (Estados de Direito) não consegue mais conviver (ou se encontrar) com seu objeto pretendido, a Justiça.

Qualquer rábula, ou qualquer calouro das faculdades de direito sabem dizer, mesmo que não compreendam bem o que dizem, que Justiça é conceito mais amplo que as estruturas positivas de Direito (leis e/ou sua aplicação pelo Judiciário).

De verdade, a aplicação das leis pelos tribunais e juízes parece confirmar essa desconfiança de que embora tenham decorado a frase acima, poucos entendem seu significado.

Uma maldição digna de receber o nome de Feitiço de Áquila.

Explico:

A grande trapalhada proporcionada pelo candidato a vice na chapa do herdeiro da Lapa, quando deixou de observar o prazo limite para se afastar de entidades as quais dirigia, para então se habilitar ao posto de candidato, nos revela como Justiça e Judiciário são nos dias atuais, água e óleo ou, falcão e lobo.

Primeiro é bom que eu resuma antes minha opinião sobre o tema, que também escrevi nestes dois textos: A teoria do executivo unitário e Presente de Grego.

Sim, o atrapalhado candidato (que se acha o suprassumo da gestão empresarial) poderia ter se prevenido e saído dos cargos um mês antes, que fosse.

Agora, de fato, sua candidatura reúne as condições de ser impugnada e se assim for, cai junto o candidato a prefeito.

Porém não é sobre este fato que eu chamo a atenção dos senhores e das senhoras.

É sobre o absurdo hermenêutico que se tornou a aplicação das normas neste país que falaremos aqui.

Temos um judiciário contaminado pelos interesses partidários (e outros que não ouso comentar), que se tornou uma ferramenta de espancamento do sentido das leis até que elas confessem a adesão às interpretações jurídicas múltiplas, e na maioria das vezes as decisões  judiciais daí derivadas apontam em sentido contrário, subtraindo qualquer chance de estabilidade normativa ao Judiciário, justamente a "qualidade " que se busca quando a ele nos submetemos.

É o caso do processo de impugnação da chapa 55.

O registro dos candidatos obteve no Juízo de piso (1 ª instância) o "ok", desconsiderando as questões formais de afastamento, ou entendendo que a entidade a qual o candidato à vice esteve vinculado não estava no rol proibitivo.

Esta decisão é grave, não por discordarmos dela, mas porque ela deu contorno de legitimidade a um ato (o registro), cuja manutenção ou cassação tem repercussão não só no direito subjetivo dos candidatos, mas de todos os demais que decidirem votar neles.

Assim, é preciso dar o tamanho exato que as coisas têm.

Há um paradoxo estranho na Justiça Eleitoral, que trata a si mesma como a quintessência do jogo democrático, como guardiã dos processos eleitorais e da vontade popular, enquanto ao mesmo tempo trata os direitos políticos e da cidadania pela ótica da formalidade estrita, e quando na presença de conflitos de natureza formal ("burocráticas") ou políticos (direito de votar e ser votado), pende autoritariamente para consagrar a Norma em detrimento do Direito.

No caso em tela este paradoxo é evidente, e pior, a ação da Justiça é que deu causa a uma situação insanável, contrariando a essência processual, que é sanar problemas apresentados, ainda que pendendo para este ou para aquele lado processual.

Explico:

Quando o Juiz de 1 º piso decidiu, a sua decisão foi reformada por um órgão superior.

Ok, pensa você, leitor ou leitora, assim são os processos.

O problema é que a decisão que reformou o entendimento do juiz primeiro aconteceu quando o prazo para substituir o candidato à vice já estava prescrito, ou seja, sem a decretação de um novo prazo para tal troca, a decisão que deveria buscar sanear o processo eleitoral através da substituição daquele que não reunia as condições para ser candidato, acabou por atingir o direito do candidato a prefeito, seu partido e seus eleitores, gerando um desequilíbrio político indesejável e pior, inaceitável.

As formalidades eleitorais não devem ceifar partidos e movimentos políticos de concorrerem e apresentarem suas propostas, ainda que seus indivíduos sejam considerados inaptos por tais atos formais, simplesmente porque sistemas políticos privilegiam a noção coletiva (partidos), e não pessoas.

A busca, com raras exceções, é sempre possibilitar que estes movimentos coletivos sejam submetidos aos escrutínios populares.

Eu me refiro aqui, notem bem, não a formalidade da inaptidão pessoal do candidato à vice, cuja impugnação eu concordo.

Mas sim a extemporânea (fora do tempo) decisão judicial que foi proferida, em grau de recurso, quando não era mais possível à chapa 55 colocar outro em seu lugar.

Em resumo, o processo e seu curso atingiram um direito fundamental, que é o de votar e ser votado, quando o efeito direto desta decisão é a impugnação da chapa toda, ou em outras palavras, a decisão "atrasada" do TRE antecipou em si os resultado da sentença final que só deve ser conhecida pelo TSE, retirando por ato intermediário (de 2ª instância) o objeto da lide (a candidatura a vice e a do prefeito) do alcance da última etapa jurisdicional.

É caso raro, raríssimo, onde o acessório (candidato à vice) irá macular o principal (candidato à prefeito), tamanha a desproporção do ato judicial reformador.

Perguntamos: 

E se o TSE, um ano, ou dois anos depois, entender que assistia razão à chapa 55?

Como rodar a roda da História ao contrário, e reconstituir os direitos dos eleitores e dos cassados?

Por isso o Vice-Procurador do TSE, em seu parecer na ação que chegou ao topo da cadeia judicial eleitoral, lavou as mãos em seu parecer, como bem notou o arguto Marcos Pedlowski, aqui 

Este "filme" eu posso antecipar o final: A Justiça e o Judiciário nunca se livrarão do Feitiço de Áquila.














segunda-feira, 23 de novembro de 2020

O Paraná: a cloaca do universo.

Perdoem-me os bons cidadãos deste estado paulista genérico, que como o "original" mantém em seu ethos a mesma sanha separatista, junto com a noção de que são o que de melhor existe no país.

Boa parte deste mito foi construído a partir de uma visão urbanística higienista de sua capital, Curitiba, a partir dos anos 90, edulcorada como um exemplo de "civilidade".

O Paraná há tempos se destaca como o esgoto do universo, reunindo ali uma rara mistura de hipocrisias morais, álvaros dias, doleiros e moros, onde se refestelaram os tucanos paulistas de alta plumagem nas suas diatribes, desde o Banestado até a recente "indústria da lava jato", que resultou em capitais de toda ordem, sejam políticos, sejam os de natureza pecuniária, propriamente ditos.


Não poderia ter nome diferente o nome do principal protagonista atual do mundo obscuro dos bordeis estatísticos, os institutos de pesquisa.

Paraná!

Os tolos seguem debatendo, e os cínicos provocam o debate (falso) sobre a credibilidade dos números, ou a capacidade de erro ou acerto deste ou daquele instituto de pesquisa.

Ora, não se trata disso.

Realmente, não se pode debater com variações estatísticas, com a matemática, não até sabermos quais são os parâmetros computados, e como se decompõem estes dados.

Piada antiga:

Em uma sala estão Bill Gates, George Soros e este escriba que vos fala.

Dividindo a renda do grupo por três teremos um números espantoso de riqueza per capita, mas isso nem de longe me fará rico na mesma proporção dos outros dois!

Explicar piada é pior que a piada em si (quando ela é ruim), mas o fato é que o viés estatístico pode trazer falsas conclusões, principalmente se este viés estiver em busca destas contatações (falas).

O problema de toda ciência é antes de mais nada a sua pretensa neutralidade, que é vendida como argumento para conferir mais legitimidade aos resultados que encontra.

 Nada mais falso, ou criminoso, e seria muito mais inteligente aos cientistas revelarem antes seus propósitos, a fim de situarem no campo correto os seus interesses.

Ora, um grupo farmacêutico que tem por missão pesquisar a cura ou a vacina de alguma doença não o faz por caridade ou senso de dever, mas pela grana que espera de retorno com as patentes.

Saber disto nos torna mais capazes de regular os resultados, de fiscalizar os processos e de tentarmos, ao menos tentarmos impor algum interesse público ou coletivo.

Há muito tempo se discute o efeito dos chamados institutos de pesquisas nas eleições.

Não há uma pessoa séria neste país que os defenda como algo positivo para o amadurecimento dos sistemas representativos, e que tenham trazido algo de bom para os processos eleitorais.

O problema é que a polêmica sempre está lo local errado, como já provamos acima: não adianta apenas impugnar os dados e resultados, a não ser que você detenha o conhecimento para tanto.

Se faz necessário antes explicitar novamente que a questão é anterior:

A quem interessam o funcionamento destes institutos, a divulgação de resultados como se fossem "verdades inquestionáveis", qual tem sido o grau de erro e acertos destas pesquisas, e enfim, quem se favoreceu de tais "erros"?

Os institutos de pesquisa "erram" mais quando se trata dos candidatos de esquerda ou da direita? 

A percepção de que há algo errado não é teoria conspiratória.

Tanto é verdade que foram criadas normas específicas para tais atividades, com a ilusão de que haveria alguma forma de regulação destes sistemas de manipulação do humor do eleitorado.

Agora esta ilusão se estende aos mecanismos recentes, ainda pouco estudados, que são os robôs e algoritmos que trabalham para as plataformas digitais (redes sociais).

Nenhum destes sistemas, assim como a própria mídia comercial, existe para esclarecer ou tornar mais transparente os processos de escolha de mandatários.

Não existem para ajudar a "opinião pública" (considerando todo o erro conceitual deste termo), mas formar uma opinião publicada e publicável.

São instrumentos de distorção para criação de consensos direcionados, como nas relações de consumo, e não por outro motivo nascem nos mesmos estamentos de propaganda e marketing.

É completa tolice discutirmos esta ou aquela pesquisa, porque em sua essência, apesar de dizerem que desejam dar ao eleitor uma noção daquele momento, e das preferências deste eleitorado, os grupos de pesquisa servem a tarefa de criar uma "realidade auto-realizável", ou uma profecia que será confirmada pela manipulação.

Este expediente também é comum na estatística financeira, nas "análises" dos "jornalistas econômicos" e das redes de agências de avaliação de risco.

Parece que o Instituto Paraná se aventurou a um chute lá do meio do campo, ao propor uma inversão algo próxima de 40 pontos percentuais, se consideramos a queda do vencedor do primeiro turno, e o avanço do segundo colocado, em termos históricos inéditos.

Por tais indícios, não podemos desconsiderar que estes mecanismos estatísticos estão a serviço de um propósito específico, que não sabemos qual é, mas deveria merecer escrutínio da mídia, como disse aqui o Professor Marcos Pedlowski.

Cabe a pergunta, emprestando-a do honorável Professor Pedlowski:

Por que se arriscou tanto o pessoal do Paraná?

Sabem eles de algo que não sabemos?

É possível tamanha mobilidade nos números?

Se é possível, onde estão os dados qualificativos desta verdadeira "revolução eleitoral"?

Encerrando, fica a última e crucial questão:

Não seria melhor atender aos paranaenses, e emancipar este Estado da nossa Federação, junto RS, SC e  com SP?

Tenho uma séria intuição de que se fosse feita uma pesquisa histórica encontraríamos nestes Estados muito mais motivos (históricos, econômicos, sociais, etc) para desintegrá-los que mantê-los unidos ao nosso país.

 

terça-feira, 17 de novembro de 2020

A escolha de Sophia.

Como dissemos ontem, corre o risco da superficialidade apressada qualquer análise mais aprofundada do processo eleitoral ocorrido neste fim de semana último, e que em alguns municípios, como Campos dos Goytacazes, se desdobrará em segundo turno.

Não corremos riscos, portanto, sejamos superficiais.

Seja no feicebuquistão, seja na mídia comercial há narrativas parecidas em curso, que sugerem uma "estranha" sinergia de plataformas que se dizem tão antagônicas, quando a mídia empresarial reivindica a legitimação pelo seu aspecto "mais sério", deixando a histeria feicebuquiana o papel da cacofonia da opinião.

Um olhar mais arguto entenderá que cada vez mais uma se parece com a outra, e vice-versa, e que antes, a mídia empresarial fazia o mesmo papel sujo de assassinato de reputações, extorsões e difusão de boatos com interesses comerciais e políticos, mas não havia ruído porque ela era hegemônica, e a comunicação se dava de forma unilateral.

Não é acidente, mas incidente que os habitantes do feicebuquistão e a mídia tragam no pós eleição uma cantilena parecida.

Ontem não havia um feicebuquiano militante sequer que não tivesse repetido o jargão da "esquerda desunida", para depois emendar ressentimentos, dependendo da legenda que fosse associado (PT ou PSOL, ou outras menos citadas), inferindo que seu partido de preferência fora "traído" pela candidatura própria do outro co-irmão da esquerda.

Teve até reitor de universidade caindo nesta esparrela.

Vamos à vaca fria:

Já dissemos em outros textos, mas é bom repisar, as eleições no mundo capitalista não se destinam a reafirmação de nenhuma forma de democracia, até porque, devemos entender que a possibilidade (democrática) de alternância de poder é nula.

Alternância esta que não deve ser entendida como a mera substituição de governos, mas como a chance de mudar as estruturas de desigualdade que são a essência da acumulação capitalista.

Sendo assim, todas as eleições materializadas em todas as regras das eleições não são o universo da meritocracia política, onde todos concorrem com chances iguais à preferência popular.

Por suas vezes, o eleitorado e suas preferências não ficam em um casulo, ou um recipiente hermeticamente fechado e imune às manipulações e induções patrocinadas pelas máquinas de propaganda, que no caso da Direita funciona diuturnamente, e muito além dos sazonais espaços confinados pelo TSE.

Em resumo, tanto as regras são desiguais, como as formas de convencimento dos eleitores.

Isto tudo porque, sendo o capitalismo um jogo desigual por natureza, e que domina todas as formas de sociabilidade, seu jogo representativo (eleições) não seria diferente.

Este jogo será sempre destinado a dar mais chances aos mais ricos, enquanto os representantes dos interesses dos mais pobres terão sempre seu caminho mais dificultado.

Aqui uma ressalva:

Por favor, não incorramos no pueril erro de confundir a origem do candidato ou a origem do eleitor para conferir legitimidade aos resultados, pois um dos truques mais interessantes do capitalismo e de seus donos é fazer com que os mais pobres imaginem que estarão representados nos interesses dos mais ricos, independentemente de quem sejam os mandatários.

Dito isso, é preciso explicar que a legislação eleitoral atual, modificada há pouco tempo, impediu as coligações nas chapas de vereadores e deputados (as candidaturas chamadas de proporcionais), sob o pretexto de evitar que partidos "de aluguel" servissem de plataforma para que candidatos com poucas chances em partidos grandes fosse eleitos, e mais que houvesse a distorção da eleição de candidatos menos votados, após o cálculo de coeficiente eleitoral e a distribuição deste coeficiente pelas nominatas (as "sobras").

Se o Brasil fosse um país com um sistema eleitoral homogêneo, ou mais próximo disso, dividido em distritos ou regiões eleitorais mais ou menos parecidas, esta reforma faria até algum sentido, e evitaria que eleitores dos mais votados fossem surpreendidos pela eleição de candidatos "nanicos", sem expressão e com pouca representatividade.

Mesmo que abandonemos a ideia central que deveria nortear a chamada Democracia, que é por natureza também o sistema onde as minorias devem se representar, e não um sistema vertical dedicado a concentração de votação e mandatos nos mais votados (sempre!), e passemos a justificar a mudança que impediu a coligação proporcional como uma "melhoria", o fato é que este impedimento é a verdadeira cláusula de barreira desejada pela direita.

Que fique bem claro: 

A Direita não está preocupada com a "qualidade" da representação parlamentar, ou se haverá esta ou aquela sigla de aluguel, já que o fato de não existir pequenos partidos "à venda" não signifiquem que os "negócios" não se deem nas legendas maiores e nas vagas pretendidas.

Só muda (e aumenta) o preço, tornando o sistema cada vez mais impenetrável aos mais pobres, ainda que sejam pobres que concorram pelos partidos da Direita.

O alvo verdadeiro desta mudança foi impedir que os candidatos de esquerda, que historicamente guardam mais afinidade entre si, e tendem sempre a formação de blocos políticos mais homogêneos, pudessem concorrer com chances nas cidades menores pelo interior do país, justamente onde a Direita mantém seu fiel feudo eleitoral e seu capital político inesgotável no controle parlamentar do Congresso Nacional.


Então, quando um reitor de uma universidade como a UENF fica lamentando que o PT não tenha apoiado o PSOL aqui ou acolá, e outros do PT respondam o mesmo, estamos, na verdade, assistindo a reprodução do discurso da Direita na boca de quem diz odiá-la.

Em SP, por exemplo, a candidatura de Jilmar Tatto, uma heresia para a turma pissolista, conferiu ao PT a maior bancada de vereadores, o que permitirá ao Boulos, se eleito, somar com os seus outros tantos eleitos e fazer uma bancada mínima para governar.

Chapas majoritárias no nosso sistema eleitoral são comprovadamente eficazes para "puxar" a nominata proporcional, e raramente um partido de esquerda tem sucesso no parlamento sem um candidato majoritário, e a taxa de sucesso é diretamente proporcional ao sucesso do candidato (a) a prefeito (a).

Então, a única tática eleitoral possível foi lançar candidaturas, mesmo que se saiba que a união em chapas majoritárias pudesse melhorar desempenhos.

Foi uma escolha de Sophia (com no filme estrelado por Kevin Klein e Meryl Streep), sim, mas como no filme não havia outra.

Deste equívoco derivado de desconhecimento total da Lei, e da ingênua crença de que o jogo democrático é justo, e portanto será nossa "culpa" (da esquerda) se tivermos resultados ruins, advém outra baboseira:

- A esquerda é desunida!

Ora, se a profusão de candidatos fosse a causa de insucesso, o que dizer da montanha de candidatos conservadores que nem por isso inviabilizaram a eleição de prefeitos conservadores ou a passagem de ao menos um candidato com este perfil aos segundos turnos?

Exemplos? 

Vários, as capitais de SP, Rio de Janeiro, BH, Campos dos Goytacazes, Florianópolis, Porto Alegre, etc, etc...

Nestas cidades havia várias legendas de direita no pleito.

Ou seja, o que nos torna inviáveis não é a tentativa de mostrar ao eleitor nossas diferenças programáticas ou divergência de interesses que levam a um quadro de duas ou mais candidaturas pela esquerda, mas o simples fato de que O SISTEMA ELEITORAL,  A MÍDIA, O FINANCIAMENTO, enfim, todas as premissas que compõem nosso modelo político são direcionadas a conferir vantagem extra aos conservadores.

Há erros de avaliações, erros táticos e outros tantos estratégicos, mas o fato que a mídia (e parece com a ajuda de certa parcela obtusa da esquerda) mantém escondido é que mesmo com todos estes estratagemas e truques, desde 1982, a representação da esquerda no espectro político nacional sempre cresceu, desde as pequenas cidades rurais, ainda que com um ou dois vereadores, seja nos maiores centros urbanos, e nestes 38 anos, em 14 anos esteve a frente um presidente e uma presidenta identificada com a esquerda.

A esquerda não é desunida, ela é o que pode ser, e mais, ela tem sido o que os conservadores têm ditado.

Portanto, o erro da esquerda não é concorrer em candidaturas separadas (não é só  isso), mas deixar de enxergar os limites da institucionalidade, e da urgência da luta anticapitalista.

É não entender que não se trata de porraloquice irresponsável e niilista, mas tratar de uma agenda anti-estamento que acelere as contradições já postas pelo funcionamento do capitalismo, ao mesmo tempo que recupera o protagonismo dos menos favorecidos (excluídos) como detentores da iniciativa política no pós-capitalismo digital que já bate às portas.


Trago dois textos para ajudar esta leitura, ambos do blog do Nassif, um do Luis Felipe Miguel e outro do Wilson Luiz Müller.

Um analisa a esquerda como todo, e um foca mais no desempenho do PT, mas ambos tratam da legenda como referência, como não poderia deixar de ser.


Enfim, é preciso deixar claro aos ingênuos (e aos cínicos) que a esquerda não existe para "melhorar" o capitalismo ou para lhe dar contornos de "civilidade", apesar do nosso irrefutável comprometimento com causas humanitárias.

O papel da esquerda é acabar com o capitalismo e propor algo melhor que ele em termos de evolução histórica, porque reconhecemos nele todas as causas de todos os males advindos de sua condição genética antecedente: a de ser o sistema que vive e se nutre da desigualdade para acumular e concentrar riqueza, e com ela, o poder de decidir (politicamente) a vida dos excluídos (neste caso, a morte).

A história do Holocausto tem ingredientes semelhantes com os dilemas e trilemas da esquerda mundial e local.

Aos judeus foi dada a chance política de resistir antes de que o Holocausto batesse às portas.

Mas a maioria judia, com influência e condições para liderar a luta, preferiu acreditar que podiam negociar com Hitler, estabelecendo "hierarquias" de sobrevivência a partir da classe social às quais pertenciam, ou imaginavam pertencer no edifício social alemão e europeu.

A escolha de Sophia é sempre um sofisma.




  

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

A volta dos que nunca foram...

Gostemos ou não do resultados das eleições municipais, ainda fresquinhos nas páginas de totalizações do TSE e dos TRE, uma coisa é certa:

- Pulularão quinzilhões de análises, e 98% delas com algum comentário ou inflexão que busque uma (nova) derrota do PT e a vitória de alguma novidade eleitoral.

Já é de praxe.

No Estado do Rio de Janeiro, a bola da vez (novamente) parece ser o PSOL, o partido preferido da direita para colocar a colher no capital político do PT.

Com votação quase idêntica à terceira colocada, com 0.03% de diferença, Benedita da Silva conseguiu votação expressiva, se considerarmos as históricas dificuldades do PT fluminense.

Em SP, apesar de Boulos ter sido ungido por Lula como um de seus interlocutores prediletos, desde a prisão, em uma sinergia que provocou até mal estar nas instâncias internas do PT e da candidatura de Jilmar Tatto (que demarcou um importante campo, se aproximando de Russomano), o fato é que não há nenhuma menção a esta circunstância na mídia empresarial.

Há outros exemplos, mas qualquer análise mais detalhada é ainda precária, e sempre será pois: 

Eleição não é um fenômeno que se limita em si, ao mesmo tempo que as ligações entre pleitos estaduais e o nacional guardam particularidades ainda não totalmente decifradas por ninguém, repito, ninguém mesmo.

Temos os pleitos locais mais "nacionalizados" e outros cujas pautas têm como alvos principais as questões municipais.

Nenhum analista até hoje conseguiu determinar o nível de correspondência e influência recíprocos destes fatores.

Porém uma conclusão preliminar aponta no horizonte:

A desesperada tentativa da direita em vestir-se de centro para tornar viável seu projeto de permanência no poder central em 2022, deslocando o eixo político para temas e símbolos caros à esta noção.

Este movimento não é, e nunca foi novidade no país, e quiçá no mundo.

O pós guerra na Europa capitalista não levou ao poder as forças de esquerda que foram usadas como argumento para justificar o apoio da direita "civilizada" ao nazismo e fascismo, ao contrário, a maioria dos países envolvidos entregou sua transição a grupos moderados e de centro.

No Brasil, a cada ruptura institucional pró autoritarismo, e a cada volta à normalidade institucional, emergem as mesmas forças conservadoras, sob inúmeros argumentos, mas o principal dele é a retomada da estabilidade.

Ora, ora, ora...mas se foram estas forças que provocaram tal instabilidade.

Seria cômico se tragédia não fosse.

No Chile a mesmíssima coisa, no pós Pinochet. 

Na Argentina, idem. 

Uruguai, também.

O alerta geral vem da Matriz, os EUA, que apesar de ainda rachados ao meio, indicou que o caminho da filial (nós) deve ser pelo centro.

Pausa para rir:

(risos).

A partir de agora veremos uma corrida maluca para troca de roupa, como uma peça teatral com vários figurinos.



Vamos ao caso particular, a cidade de Campos dos Goytacazes.

Gostem ou não seus detratores, a eleição atual só confirmou o que já se sabe faz tempo:

O garotismo é a única forma de movimento político orgânico no município, inclusive é a única referência para os que dizem ser seus adversários.

O recém triturado prefeito passou 4 anos sem governar, falando do governo anterior (da esposa do Garotinho).

Ao mesmo tempo, o grupo emergente dos Bacellar idem, isto é, só existe como tal pelo antagonismo ao cacique da Lapa.

O candidato-filho do ex- Prefeito Arnaldo Vianna, ele mesmo cria da Lapa, é outro exemplo de que não há nenhuma vida política para além dos limites do garotismo na cidade, pelo menos não até agora.

O PT é o caso mais triste de todos, porque nem conseguiu elaborar uma plataforma anti-garotista eficiente, ficando como a pior versão daquilo que já é muito ruim, ou seja, um projeto político que tem como única referência um personagem específico.

É claro que não se trata de culpar "A" ou "B".

Até porque não podemos ignorar o peso de uma liderança que foi Governador de Estado, elegeu sua esposa no primeiro turno como Governadora (totalmente desconhecida, na época), e depois prefeita, e tem dois filhos eleitos deputados federais.

O projeto político que seja alternativa a tal fenômeno não passa por minimizar tais efeitos e repercussões, como uma espécie de "autismo político".

Porém é preciso não lhe dar uma dimensão maior que já tem.

É uma equação nada fácil, mas ela surge como ingrediente principal da política (lato senso), que é (ou deve ser) a expressão real da nossa capacidade de imaginar cenários e de fazer estas projeções se tornarem realidade.

O PT abdicou desta capacidade em nome de um pragmatismo que também não sabe operar, e que ao contrário do que se possa imaginar, nunca foi adversário ou oposto desta capacidade de abstração política...nunca.

É justamente esta capacidade de conceituar a realidade que reforça qualquer traço de pragmatismo político, e não o contrário.

Para o combate do garotismo é necessário entender seu apelo, e criar linguagens que concorram e/ou substituam este projeto de poder, a partir de ousadas formas de fazer política, mas que não têm nada de inéditas.

Enquanto tentar vocalizar nesta cidade seus anseios pelos mesmos meios do garotismo, ou através de outros meios (a mídia local, por exemplo) que detêm nenhuma (ou pouquíssima) legitimidade, o PT vai seguir falando sozinha:

Sem ser o porta-voz das elites (que odeiam o PT), e sem comunicar com a população mais pobre, que não entende o PT (enquanto alguns também odeiam-no).

Um exemplo?

A ótima votação de José Maria Rangel, quase 3.000 votos, e nenhum coeficiente eleitoral para o PT, o que lhe ceifou a vaga na Câmara de Vereadores.

Portador de uma narrativa estritamente corporativa, até quando falou das soluções para cidade, ficou restrito a um nicho, e parece com um artilheiro que fez 50 gols no campeonato, mas viu seu time ser rebaixado.

Parecia candidato a presidente do Conselho Deliberativo ou Administrativo da Petrobrás.

Certamente teve apoio de bastante gente, mas e daí?

Rangel não veiculou em nenhum momento nada mais que os velhos chavões sobre os "desvios dos royalties", e sequer foi capaz de verbalizar o óbvio:

O dinheiro encheu as burras das elites, que agora nos vendem a conta do saque como "crise".

Este era o principal diferenciador do PT ao longo de toda sua história, a capacidade de dizer coisas incômodas, e de propor os "debates chatos", mas imprescindíveis, e que trocamos pelos "lugares-comuns" reverberados pelo mau caratismo midiático e pelas fraudes acadêmicas.

Em Campos dos Goytacazes viramos a cópia-carbono de um anti-garotismo hipócrita, já que todos os segmentos principais de oposição à ele, uns mais outros menos, se beneficiaram das políticas públicas do pessoal da Lapa.

Até o clã dos Bacellar se fortaleceu politicamente na gestão Mocaiber, outra cria menos bem sucedida ("poste") do garotismo, como Sérgio Mendes e outros ressentidos.

Por isso Rafael Diniz naufragou feio, porque foi totalmente incapaz de entender que a suposta rejeição ao garotismo que o elegeu só se tornaria capital político perene se ele apontasse em outra direção.

Mas qual, sendo ele um  político da direita encarnada?

A escolha por temas fiscais e de "gestão" foi um desastre, e sempre será, porque são falsos, sempre falsos, quando a hierarquia de interesses protegidos por sua administração (e tantas outras administrações que reivindicam tais premissas) já mostrava as caras desde o começo.

Por outro lado, repetimos que derrota de Rafael não é só dele.

É do principal grupo de mídia que foi seu principal fiador e mentor, e que agora vai se reorganizar para tentar embarcar em outra aventura, a do filho do ex-Prefeito Arnaldo Vianna.

Dirão que a única novidade é a Professora Natália.

Também não é.

Ela herda o espaço político da esquerda, algo que sempre ficou entre 5 e 10% organicamente, que algumas vezes ultrapassou este limite, e em outras recuou.

Luiza Botelho, Odete Rocha, Luciano D'Ângelo são nomes que autorizam esta conclusão, ou seja, de que sempre houve um portador deste patrimônio eleitoral.

Apesar do desdém da direita, manter este nicho em uma cidade com os traços de Campos do Goytacazes não é pouca coisa.

Para começar a nova caminhada, um passo essencial é a definição de apoios no segundo turno, seja com Wladimir e Caio, seja em outro cenário pós impugnação de Wladimir.

A esquerda campista deve se abster totalmente de participar desta "festa", porque ali nada lhe diz respeito.

Sempre tendo em mente o adágio:

Melhor ser cabeça de mosquito que rabo de elefante.


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

A Hydra semiótica: saliva, pólvora e a "guerra" entre ciência e política...

 


Desde ontem à noite até hoje pela manhã, quando assisti as versões noturna e matinal dos programas de notícias da Rede Globo, o JN e o RJ 1, respectivamente, fui tomado por um sentimento de completo desalento.

Explico:

Apesar de saber há muito tempo que não se deve esperar nada da empresa do bando Marinho, o fato é que às vezes ficamos paralisados diante da profusão de frentes em que temos que combater.

A mitologia grega é rica em imagens deste desespero humano, diante de sofrimentos e problemas que se realimentam e nos ameaçam.

Temos a figura de Prometeu acorrentado, que tem seu fígado devorado e regenerado todos os dias.

Temos Sísifo, que carrega uma pedra morro acima todos os dias, para vê-la desabar e ter que recomeçar sua sina.

E por fim, temos a Hydra, cuja extinção era uns dos trabalhos de Hércules

A cada golpe do semideus, uma cabeça era decepada, e ao mesmo tempo se regenerava.

É o mito que mais me agrada, porque, ao menos, ele oferece uma saída:

A força de Hércules era inútil, e foi pelo conhecimento que ele descobriu como exterminar o monstro, ou seja, o fogo (simboliza o conhecimento na mitologia grega) era capaz de calcinar o pescoço decapitado, impedindo o surgimento de nova cabeça.

A esquerda brasileira e mundial parecem não enxergar que não adianta decepar as cabeças que simbolizam (representam) a Hydra capitalista, pois elas se regeneram.

É preciso fogo (conhecimento) para dar fim ao bicho.


Ontem à noite o JN dedicou boa parte de seu tempo a expor as bizarrices do presidente, e as respostas e repercussões em todos os níveis de governo, passando pelos "cientistas"  e outras vozes que a empresa de comunicação utiliza para dar alguma legitimidade ao seu discurso.

Não se debate aqui o que disse o presidente, se festejou ou não a morte de alguém como um ponto a favor de suas intenções políticas e disputas com o pretendente ao seu cargo, o governador paulista, que já foi seu aliado.

O que mais me assombra e desanima é a reação proposta (e aceita) por boa parte daqueles que se dizem portadores da luz (fogo) do conhecimento.

A narrativa predominante (inclusive em blogs progressistas, como o Blog do Nassif) é de que há uma guerra entre a política e a ciência.

Santo Zeus, aonde vamos parar?

Nem sei por onde começar, mas vou tentar.


Não há ciência sem que seja movida por interesses políticos e econômicos, geralmente recíprocos,  que resultam em decisões das esferas de poder, por suas vezes, movem as "razões" científicas.

A propagada "guerra" entre ciência e política não é verdadeira, ao menos não como publicaram.

Não existe uma hierarquia em disputa entre a virtude científica, sempre equilibrada e racional, e a barbárie política, sempre egoísta e auto-centrada em mesquinharias.

Tudo isso está misturado, e pasmem, a serviço de interesses que nada têm de "equilibrados" ou "neutros".

Se a ciência fosse "neutra", ou portadora de alguma racionalidade "neutra", e portanto benéfica (enquanto a política é sempre vendida como algo "mal" em si), por que não temos a cura da malária, da Zika, da dengue, ou vacinas para tais doenças?

Ora, porque não há NENHUM INTERESSE ECONÔMICO QUE MOVA A CIÊNCIA a procurar soluções para atender a parte mais pobre do planeta.

Além de serem doenças de "pobres", que não têm recursos para bancar a remuneração dos custos de pesquisa (embutido no preço dos medicamentos ou vacinas), há uma série de decisões econômicas e geopolíticas que determinam que alguns produtos são viáveis, e outros não.

Vou mais além, por que a ciência arranjou a "cura" para a disfunção erétil, enquanto não descobriu a cura do câncer?

Claro que sabemos que são questões bem distintas, mas fica a pergunta:

Quem determina estas categorias de prioridade?

O bem comum?

Nunca, pois são antes decisões de caráter econômico, de avaliação global de retorno e por mais cruel que pareça, de manutenção dos fluxos globais de gastos dos sistemas nacionais de saúde, e dos pacientes, e da capacidade de cada uma destas instâncias em absorver tais custos.


Se a ciência fosse esta coisa virtuosa e asséptica, por que os laboratórios não se uniram em um grande mutirão internacional, compartilhando os avanços de cada grupo de pesquisa pela vacina, acelerando o tempo de desenvolvimento e teste?

Por que tais informações são guardadas com rigor parecido àquele que protege senhas nucleares nas mãos de Trump, Putin, etc?

Quando ouço que a "ciência" é algo que pode estar a salvo das injunções cotidianas e da historicidade, eu confesso: dá vontade de chorar.

Ciência neutra é um tema caro à...à...isso mesmo, ao fascismo, ao nazismo.

Tais modelos que sempre imaginam poder usar a ciência como justificativa para "igualar" em patamares de maior eficiência biológica os seres humanos, em uma espécie de darwinismo-biológico-social, usando a falácia da "neutralidade científica" ou "neutralidade natural" da nossa demanda por eficiência evolutiva.

Sim senhoras e senhores, ciência sem política é ciência sem ética, ou pior, como mostramos acima, com uma ética própria.

Deste modo, por que não permitir a ciência, em nome do "bem" da Humanidade, desenvolver pesquisas genéticas (se já existem) para criar espécimes humanas imunes à doenças, resistente a cansaço, que consumam poucas calorias, etc, etc, tudo dedicado a dotar-nos de maior eficiência produtiva?

O enorme risco de termos pessoas como o Bolsonaro na condução representativa dos interesses do Capital, iludindo-nos de que ele é apenas uma distorção passageira, é quando passarmos ao combate à ele usando a mesma irracionalidade.

Quer dizer, uma irracionalidade ainda pior, porque a irracionalidade autoritária dele é calculada, portanto não é irracionalidade alguma.

Já a nossa é burrice mesmo, já que não sabemos que estamos a replicar o ambiente de ruídos que nos torna surdos às nossas próprias vozes, à nossa racionalidade.

Bolsonaro e Dória são meros garotos de recados das grandes empresas farmacêuticas globais, que já nos depauperam diariamente, seja com a máfia dos antibióticos, seja com a máfia das patentes, com aliciamento de médicos através de esquemas de propagandistas, seja, enfim, pelo sequestro da pesquisa acadêmica (CIENTÍFICA), já que boa parte das mais avançadas universidades do mundo não sobrevivem sem os trilhiardários recursos destas indústrias.

No outro canto, temos as bravatas do presidente, com metáforas diplomáticas sobre diálogo, dissuasão e enfrentamento.

Engraçado que ao falar de saliva e pólvora, o presidente corre o risco de dar a piada de bate-pronto para seus detratores, já que saliva também é metáfora para lubrificante em relações sexuais, ou seja, parece que nosso país exige ser "violado" com algum lubrificante, e não à seco.

Bem, olhando por este prisma, a fala dele faz até algum sentido, e acaba por resumir toda nossa história diplomática, isto é: sempre fomos obedientes ao Tio Sam pela "saliva", ou "no amor" (na linguagem cara aos narcomililcianos).

Nem os presidentes chamados de esquerda escaparam a essa lógica, diga-se.

Na verdade, o que disse o presidente, apesar de tê-lo feito pelos motivos errados, ou seja, defender sua política ambiental devastadora, corresponde à uma demanda nacionalista, que até bem pouco tempo nos foi muito cara, ou deveria ser.

Presidente do EUA não deveria opinar (nem outro de qualquer lugar) sobre como preservamos ou derrubamos nossas florestas.

Principalmente sendo os EUA um exemplo negativo neste sentido.

Para os vira-latas que balançam o rabinho para GI-JOE Biden, é bom lembrar que foi na octaéride obamista que a NSA grampeou Dilma Roussef, e começou sua escalada para destruir Petrobrás e toda a cadeia produtiva do petróleo.

Ao mesmo tempo, Obama atacou nossa indústria de defesa (Odebrecht, em sua ramificação tecnológica-militar), que preparava o modelo de contenção militar do Atlântico Sul com emprego de submarinos com propulsão nuclear, equipamentos imprescindíveis à defesa de petróleo e gás em águas profundas.

O desmonte da EMBRAER, que criou e colocou no mercado o KC-390, substituto do Hércules C 130, da estadunidense Lockheed.


Enfim, todo este quadro e a nossa reação me traz um desânimo profundo, um pessimismo estrutural, que reflete minha descrença na mais remota chance de reação intelectual ao que estamos vivendo.


terça-feira, 10 de novembro de 2020

Rafael, o arcanjo caído...

 




Na busca por algum mote para tratar o completo fracasso eleitoral do atual prefeito de Campos dos Goytacazes, Rafael Diniz, lembrei-me da origem de seu nome, e claro, socorri-me na Wikipedia, como vocês podem ler aqui. 

Há, de acordo com o texto, três denominações para Rafael nas mitologias monoteístas mais conhecidas (judaico-cristã e islâmica).

Certamente nosso prefeito prefere a primeira, a cristã, não só por uma questão de origem e cultura familiar, mas por conveniência, já que para cristãos e judeus Rafael é o anjo da cura.

Essa imagem convergia com a sua pretensão, quando candidato, de resolver todos os problemas da cidade.

Este sentimento seria uma arrogância saudável, caso não fosse totalmente desprovida de qualquer ligação com suas verdadeiras intenções, que agora são "vendidas" pela mídia como meras "incapacidades", ou "erros" passíveis de breves correções.

Ao final de quatro anos de governo, em uma inédita situação de não-reeleição (não me recordo qual prefeito não se reelegeu desde que a possibilidade foi criada), precisamos dizer ao Rafael que a sua definição está mais próxima daquela do Alcorão:

- Rafael (ou Israfil) é o anjo do juízo final, aquele que toca a trombeta anunciando o fim!

É preciso dizer também que Rafael Diniz é vítima de uma cruel injustiça, e não que ele não mereça, mas o fato é que atribuir a ele toda e qualquer responsabilidade pelo desastre é de uma covardia atroz.

Rafael Diniz é resultado de um fenômeno ainda não bem explicado, tanto pelo pouco tempo, que dificulta um olhar de amplitude histórica, quanto pelos interesses de cada lado que propõe a análise.

Temos os nossos, claro, e o raro (a) leitor (a) raro (a) que passeia por aqui sabe nossa posição de antemão: 
Somos, desde a mais tenra hora, oposição completa e irrestrita ao atual prefeito e sua entourage.

O fato é que podemos simplificar Rafael Diniz como um prefeito que se elegeu dentro da narrativa recente que ajudou a alavancar o atual presidente da república, ao mesmo tempo que surfou nas possibilidades do lawfare local, que pode ser entendido como as ações judiciais e policiais direcionadas quase que especificamente a um grupo político (o da Lapa).

Também não se pode desprezar o uso intenso do esquema Cambridge Analytic, que mescla psicometria e disparo de mensagens pelas plataformas digitais aos eleitores (robôs tocados por algoritmos).

No entanto, reduzir a apenas estas instâncias não conta tudo sobre o anjo do juízo final.

O atual prefeito montou sua equipe com uma inédita influência de certo grupo de mídia local, ao mesmo tempo que reuniu alguns quadros da chamada intelectualidade acadêmica, enquanto contou com a "compreensão" de todos os setores do judiciário e do MP, que "generosamente" pareceram lembrar do princípio da presunção de inocência, ou para outros, da não-culpabilidade.

Ufa, antes tarde que nunca, embora Rui Barbosa diga que justiça atrasada nada mais é que injustiça qualificada.

A cidade parece ter virado um oásis, e nenhum contrato, compra de bens ou serviços, nenhuma licitaçãozinha sequer foram alvos de quaisquer escrutínios mais severos dos órgãos de fiscalização.

Nenhuma reclamação dos vereadores de oposição mereceu qualquer atenção mais dedicada, nenhum espaço comparável ao que acontecia antes.

Neste sentido, eis o primeiro milagre do "arcanjo" Rafael, pois que "curou" a cidade do protagonismo judicial e policial na política.

Quatro anos depois, apesar de ter vendido a imagem de que seria a solução para todos os males (como a definição do anjo cristão, a "cura"), Rafael descobriu que não dá para administrar uma cidade com a "merreca" de R$ 1,7 bilhão.

Ainda que portador da mensagem divina, e gozando da proximidade com Deus, Rafael não foi capaz de pedir ao Senhor para multiplicar os pães orçamentários.

O milagre não aconteceu mesmo com o beneplácito de toda a mídia (os vendilhões do templo), dos órgãos fiscalizadores (os pretorianos de Roma), e mais, junto com a propalada sinergia com os "sábios do Templo", aqui os intelectuais do "pólo acadêmico-universitário" (só pode ser piada chamar as instituições privadas de formuladores de algum pensamento crítico, quando são meras entregadoras de diplomas a preço certo).

Passemos das metáforas para a frieza dos números.

Consideremos Campos dos Goytacazes com 500 mil habitantes, com número redondo, pois se há uma população flutuante que chega para somar, há também aqueles que ainda que vinculados estatisticamente à cidade, passam boa parte do tempo fora, e usam serviços de outras cidades "conurbadas", como é o caso de Macaé.

Peguemos este número, e usemos para estabelecer a razão com o orçamento que o prefeito reclamou ser insuficiente:

Para cada cidadão da cidade terá R$ 3.400,00/ano para tratar das suas demandas, ou quase R$ 300,00 reais/mês.

Tal valor é muito mais elevado que boa parte dos Estados do Norte e Nordeste (talvez até do Centro-Oeste).
Repito: maior que o orçamento per capita destes Estados!

Vamos analisar o orçamento do Estado do RJ, que você pode acessar aqui. 

Algo em torno de R$ 85 bi, divididos para uma população de cerca de 16 milhões de habitantes.

(Nota: justiça seja feita, nos cômputos orçamentários há subtração de gastos previdenciários, e outras despesas, como serviços de dívida, etc, o que vale também para a LOA de Campos dos Goytacazes).

Mas para efeito de comparação, consideremos o montante geral, e obtemos algo em torno de R$ 5.300,00 per capita/ano, ou R$ 440,00 aproximados por mês/per capita.

Ou seja, a "merreca" de Rafael é mais da metade do Orçamento do Estado do Rio de Janeiro inteiro.

Tirem vocês suas conclusões, porém me permita as minhas:

O desastre de Rafael é o desastre das elites campistas, quer dizer, não é desastre, pois é dolo dirigido a aprofundar a desigualdade e concentrar riqueza (ou o que sobrou dela) nas mãos destas elites e seus sócios, enquanto adjetivam este saque descarado de "crise".

É um modelo de gestão. Um conceito levado à prática.

Rafael, já mencionamos, teve o beneplácito da mídia (que compôs uma parte dos cargos de seu governo), a domesticação da Câmara de Vereadores, a "amizade" do Judiciário, e a "tecnocracia iluminada" de setores da UENF e outras faculdades tipo caça-níquel.

Contou com um consenso, fabricado é verdade, de que era a hora da alteração das relações de poder com aquilo que ele auto-denominou de onda da mudança.

Teve o benefício da dúvida concedido pelos algozes dos grupos políticos anteriores (Justiça e Polícia).

E nada.

Bem pouco tempo após eleito, quando parecia ser incapaz de passar do palanque, e fazer a transição e enfim, governar (como no caso da merenda que chegou quase no segundo semestre do ano letivo de 2017), eu disse que Rafael parecia aquela criança que ganhou um brinquedo inesperado, e não sabia o que fazer com ele.

Seria mais fácil "perdoar" Rafael se fosse só isso.

A bem da verdade, não foi só uma questão de incompetência, ou da pueril "incapacidade" de sair do gabinete (na versão atual da mídia para explicar o fracasso de seu prefeito de estimação).

Foi uma direcionada escolha política, que continha em seu bojo:

Severidade fiscal e de arrocho social, desmonte dos serviços públicos, insensibilidade anti-política, enfim, uma espécie de mini-governo federal.

Com este desempenho, Rafael Diniz é sério candidato a virar ministro.

Que seja, e ele, que de anjo ou santo nada tem, que vá para bem longe tocar a sua trombeta do Apocalipse.





 



segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Santa estupidez, Batman!


Trump, o verdadeiro Coringa?



Cesar Romero como Coringa.




 Quem tem um pouco mais de 14 anos como eu, e conhece a mitologia dos quadrinhos estadunidenses, e/ou acompanhou as montagens cinematográficas recentes do Batman que têm como subtítulo Cavaleiro das Trevas (Dark Knight, livremente inspirada na série de quatro fascículos impressos, graphic book, de Frank Miller), vai ter mais facilidade de entender as associações deste texto.

Porém mesmo que não tenha interesse por esta cultura pop, poderá, ao ler, enxergar que a questão que emerge da recente eleição dos EUA ultrapassa em muito a boa e velha divisão do mundo em bandidos e mocinhos, narrativa tão cara à da mídia comercial, ela mesma coadjuvante que se debate todo o tempo para roubar a cena principal nos eventos da História.

O filme de Christopher Nolan, com Christian Bale no papel principal, secundado pelo insuperável Heath Ledger como Coringa, os limites do surrado argumento de que o vigilantismo se justifica pelo grau de maldade oposto pela vilania alcança outro nível de sofisticação.

Várias interpretações do filme ganharam corpo, e por certo nenhuma delas conseguirá apreender por completo qualquer mensagem política subliminar, porque seus criadores sempre responderão com o óbvio: trata-se de entretenimento.

Fato.

Mas se ideologizar a chamada "arte" é um "erro" (não na minha opinião), deixar de historicizá-la é outro ainda maior, ou seja, as abordagens do personagem com o hilário Cesar Romero como Coringa, e Adam West como Batman, até a mais recente com Joaquim Phoenix, possibilitam uma leitura correspondente do momentos históricos onde estão inseridas.

A mídia, no entanto, parece incapaz de sair da década de 50/60, e segue na repetição da reificação do pânico comunista na esquerda (?) pré keneysiana.

Como sabemos, a atual reexibição de antigos medos é patrocinada pelos empresários dos conglomerados globais de comunicação, e aproveitada pelos Cruzados do Reino de Q Anon, ou a Ordem de Steve Banon.

Foi justamente nos EUA, santuário dos sabujos da mídia (teve até um tal de Waack que ficou conhecido por "aconselhar" a CIA, em passado recente), que o universo pareceu mostrar suas entranhas mais assustadoras, como a boca do precipício, bordas de algum  buraco negro.

Não senhores e senhoras, os EUA nunca foram e nunca serão uma Democracia.

Não senhores e senhoras, Democracia e Capitalismo nunca caberão no mesmo espaço ao mesmo tempo.

Não, senhores e senhoras, o Capitalismo não é um sistema harmônico e pontuado por crises cíclicas, que podem ser superadas por algum tipo de racionalismo democrático ou institucional, que tornam suas estruturas melhores e melhores, ao mesmo tempo que nos melhora com ele.

É justamente o contrário.

A piada última da mídia, digna de Coringa, contada pelos lacaios da mídia foi a suspensão ou interrupção de Trump pelas redes nacionais de TV nos EUA (hoje chamada de "cancelamento" pelos mais jovens), enquanto ele vociferava contra as chamadas "instituições".

(risos).

Ora bolas, e quem deu espaço para o "clown sombrio" falar durante quatro anos barbaridades ainda piores?

Silêncio.

Nossos valorosos jornalistas tentaram nos dizer que um sistema político onde barões de mídia decidem quem, quando e o que será dito é a "normalidade".

(risos).

Junto com esta piada ruim, contam outra: 

Trump é um ponto fora da curva, um resultado de maus humores eleitorais, e alguns arriscam até a dizer que foram as "causas identitárias" que nos trouxeram até aqui, pois cristalizam ódios que alimentam o monstro autoritário.

Uma dupla mentira e perigosa.

Sim, os movimentos autoritários (do Capitalismo) instrumentalizam e fomentam seus ódios a partir das plataformas de luta setoriais (identitárias), sendo que elas mesmas têm muita dificuldade em enxergar a totalidade do quadro onde estão inseridas.

Mas responsabilizar o oprimido pelo aumento da repressão e da violência sofrida é como negar a quem tem fome o alimento, para incentivá-lo a enfrentar as causas estruturais e anteriores da sua carência imediata.

Ou seja, senhoras e senhores, a responsabilização pela escalada violenta e autoritária não é de negros e mulheres que não conseguem ir além nas suas pautas, mas sim daqueles que usam essa miopia para aumentarem o alcance e o poder de suas ferramentas autoritárias para manterem o poder (capitalista), até porque o sistema (capitalista) que desejam perpetuar é, per si, violento e excludente, seja com negros, mulheres, gays, pobres, e todos aqueles que não sejam donos do capital.

No filme, o Coringa tenta mostrar aos outros vilões (mafiosos, e suas facções) que ele é a única arma possível (caos) para combater a chamada "normalidade", onde um morcego restaura e mantém a "ordem" (que ordem?), e enfrentou a descrença e resistência deles porque todos estavam atados a ordem "normal", quando o crime tem por causa a demanda por dinheiro, funcionando como um sistema paralelo e marginal à "normalidade", cujo combate era dado pelo morcego mascarado, que entendia esta relação de causalidade (crime e dinheiro).

O Batman é então um remédio que só surge como resultado de um sistema geneticamente distópico, onde tanto se ganha dinheiro matando pessoas por inanição, guerras, interesses geopolíticos, quanto pela atividade violenta (strictu sensu) criminal.


Assim como o Coringa só faz sentido em uma (des)ordem onde um justiceiro vestido de morcego é aceito, e necessário diga-se, (serão as nossa togas?) Trump é a encarnação da face mais realista do modelo implantado com maior sucesso nos EUA, que tem por "lógica" a concentração brutal de riqueza, enquanto outros bilhões permanecem excluídos da menor chance de subsistência.

Isso não é uma loucura? 

Pois é...

O Coringa, Trump, Hitler, Mussolini, Bolsonaro, Franco, Salazar, Generais, etc, são a sincera expressão do funcionamento de uma sociedade que tem como normal a manutenção de uma "ordem" sempre injusta e caótica!

Todo o sistema chamado de institucional, todas as formas de representação, todas as formas de sociabilidade estão subordinadas à este tipo de "darwinismo social totalizante".

Os ingênuos (e outros tantos cínicos) imaginam que algum Comissário Gordon ou Alfred (que bem poderiam ser vividos por Joe Biden) poderão, com suas noções de ética democrática, superar a essência caótica do Capitalismo, ajudados por um mascarado vestido de morcego, ele mesmo portador de suas próprias regras.

Neste sentido, a maquiagem sempre bizarra do palhaço assassino seria sempre tão ou mais crível que a máscara do morcego, pois se ele simbolizaria que a luta pela justiça acontece nas sombras, de forma anônima, pois a luz do dia o Estado de Direito está podre, o mal encarnado pelo Coringa é sempre apresentado como uma distorção, uma disfunção quase lúdica (cômica), mas ainda assim letal.

Não é tão simples assim.

Batman é a noção vingativa da justiça, que procura algum vínculo de causalidade entre o que faz, e o que o move (código moral),  que sempre esbarra em algum tipo de limitação para realizar-se completamente (Batman não mata, nem usa armas de fogo), o que na sociedade estadunidense armada até os dentes, e legatária do seu mito fundador, o Far West o transforma em uma exceção paradoxal e...falsa.

Como falsas são nossas instituições de Justiça e todo o resto que buscam algum tipo de justiça ou representação isonômica (chamada de "igualitária"), porque residem e se significam em um sistema sempre hierárquico e injusto.

Por isso Batman não faz qualquer sentido (como a Justiça que ele diz encarnar), a não ser como um complemento do Coringa, e não como causa dele, como a história do personagem busca mostrar em todos os filmes e publicações.

O Coringa é em si o mal (caos capitalista), e neste caso, a única instância prenhe de algum sentido, justamente porque não faz sentido algum.

Por isso as traquitanas do Batman necessitam roupagens e atualizações permanentes (tecnologia) para métodos que não acompanham-nas (o vigilantismo é o mesmo de 1960), enquanto o palhaço e seu repertório mantêm a mesma simbolização (maquiagem), alterando sua morbidez mais ou menos sombria com a época histórica, mas inalterada em sua essência, seja com Cesar Romero, seja com Heath Ledger.

Ah, em tempo:

Desistam, os democratas não são os mocinhos ou a Liga da Justiça.



  



Quem faz a fama, deita na ca(â)ma(ra)? Um breve momento na Gaiola das Loucas!

  Algo vai muito mal quando juízes e policiais protagonizam política, e pior ainda, quando são políticos que os chamam para tal tarefa... Nã...