terça-feira, 10 de novembro de 2020

Rafael, o arcanjo caído...

 




Na busca por algum mote para tratar o completo fracasso eleitoral do atual prefeito de Campos dos Goytacazes, Rafael Diniz, lembrei-me da origem de seu nome, e claro, socorri-me na Wikipedia, como vocês podem ler aqui. 

Há, de acordo com o texto, três denominações para Rafael nas mitologias monoteístas mais conhecidas (judaico-cristã e islâmica).

Certamente nosso prefeito prefere a primeira, a cristã, não só por uma questão de origem e cultura familiar, mas por conveniência, já que para cristãos e judeus Rafael é o anjo da cura.

Essa imagem convergia com a sua pretensão, quando candidato, de resolver todos os problemas da cidade.

Este sentimento seria uma arrogância saudável, caso não fosse totalmente desprovida de qualquer ligação com suas verdadeiras intenções, que agora são "vendidas" pela mídia como meras "incapacidades", ou "erros" passíveis de breves correções.

Ao final de quatro anos de governo, em uma inédita situação de não-reeleição (não me recordo qual prefeito não se reelegeu desde que a possibilidade foi criada), precisamos dizer ao Rafael que a sua definição está mais próxima daquela do Alcorão:

- Rafael (ou Israfil) é o anjo do juízo final, aquele que toca a trombeta anunciando o fim!

É preciso dizer também que Rafael Diniz é vítima de uma cruel injustiça, e não que ele não mereça, mas o fato é que atribuir a ele toda e qualquer responsabilidade pelo desastre é de uma covardia atroz.

Rafael Diniz é resultado de um fenômeno ainda não bem explicado, tanto pelo pouco tempo, que dificulta um olhar de amplitude histórica, quanto pelos interesses de cada lado que propõe a análise.

Temos os nossos, claro, e o raro (a) leitor (a) raro (a) que passeia por aqui sabe nossa posição de antemão: 
Somos, desde a mais tenra hora, oposição completa e irrestrita ao atual prefeito e sua entourage.

O fato é que podemos simplificar Rafael Diniz como um prefeito que se elegeu dentro da narrativa recente que ajudou a alavancar o atual presidente da república, ao mesmo tempo que surfou nas possibilidades do lawfare local, que pode ser entendido como as ações judiciais e policiais direcionadas quase que especificamente a um grupo político (o da Lapa).

Também não se pode desprezar o uso intenso do esquema Cambridge Analytic, que mescla psicometria e disparo de mensagens pelas plataformas digitais aos eleitores (robôs tocados por algoritmos).

No entanto, reduzir a apenas estas instâncias não conta tudo sobre o anjo do juízo final.

O atual prefeito montou sua equipe com uma inédita influência de certo grupo de mídia local, ao mesmo tempo que reuniu alguns quadros da chamada intelectualidade acadêmica, enquanto contou com a "compreensão" de todos os setores do judiciário e do MP, que "generosamente" pareceram lembrar do princípio da presunção de inocência, ou para outros, da não-culpabilidade.

Ufa, antes tarde que nunca, embora Rui Barbosa diga que justiça atrasada nada mais é que injustiça qualificada.

A cidade parece ter virado um oásis, e nenhum contrato, compra de bens ou serviços, nenhuma licitaçãozinha sequer foram alvos de quaisquer escrutínios mais severos dos órgãos de fiscalização.

Nenhuma reclamação dos vereadores de oposição mereceu qualquer atenção mais dedicada, nenhum espaço comparável ao que acontecia antes.

Neste sentido, eis o primeiro milagre do "arcanjo" Rafael, pois que "curou" a cidade do protagonismo judicial e policial na política.

Quatro anos depois, apesar de ter vendido a imagem de que seria a solução para todos os males (como a definição do anjo cristão, a "cura"), Rafael descobriu que não dá para administrar uma cidade com a "merreca" de R$ 1,7 bilhão.

Ainda que portador da mensagem divina, e gozando da proximidade com Deus, Rafael não foi capaz de pedir ao Senhor para multiplicar os pães orçamentários.

O milagre não aconteceu mesmo com o beneplácito de toda a mídia (os vendilhões do templo), dos órgãos fiscalizadores (os pretorianos de Roma), e mais, junto com a propalada sinergia com os "sábios do Templo", aqui os intelectuais do "pólo acadêmico-universitário" (só pode ser piada chamar as instituições privadas de formuladores de algum pensamento crítico, quando são meras entregadoras de diplomas a preço certo).

Passemos das metáforas para a frieza dos números.

Consideremos Campos dos Goytacazes com 500 mil habitantes, com número redondo, pois se há uma população flutuante que chega para somar, há também aqueles que ainda que vinculados estatisticamente à cidade, passam boa parte do tempo fora, e usam serviços de outras cidades "conurbadas", como é o caso de Macaé.

Peguemos este número, e usemos para estabelecer a razão com o orçamento que o prefeito reclamou ser insuficiente:

Para cada cidadão da cidade terá R$ 3.400,00/ano para tratar das suas demandas, ou quase R$ 300,00 reais/mês.

Tal valor é muito mais elevado que boa parte dos Estados do Norte e Nordeste (talvez até do Centro-Oeste).
Repito: maior que o orçamento per capita destes Estados!

Vamos analisar o orçamento do Estado do RJ, que você pode acessar aqui. 

Algo em torno de R$ 85 bi, divididos para uma população de cerca de 16 milhões de habitantes.

(Nota: justiça seja feita, nos cômputos orçamentários há subtração de gastos previdenciários, e outras despesas, como serviços de dívida, etc, o que vale também para a LOA de Campos dos Goytacazes).

Mas para efeito de comparação, consideremos o montante geral, e obtemos algo em torno de R$ 5.300,00 per capita/ano, ou R$ 440,00 aproximados por mês/per capita.

Ou seja, a "merreca" de Rafael é mais da metade do Orçamento do Estado do Rio de Janeiro inteiro.

Tirem vocês suas conclusões, porém me permita as minhas:

O desastre de Rafael é o desastre das elites campistas, quer dizer, não é desastre, pois é dolo dirigido a aprofundar a desigualdade e concentrar riqueza (ou o que sobrou dela) nas mãos destas elites e seus sócios, enquanto adjetivam este saque descarado de "crise".

É um modelo de gestão. Um conceito levado à prática.

Rafael, já mencionamos, teve o beneplácito da mídia (que compôs uma parte dos cargos de seu governo), a domesticação da Câmara de Vereadores, a "amizade" do Judiciário, e a "tecnocracia iluminada" de setores da UENF e outras faculdades tipo caça-níquel.

Contou com um consenso, fabricado é verdade, de que era a hora da alteração das relações de poder com aquilo que ele auto-denominou de onda da mudança.

Teve o benefício da dúvida concedido pelos algozes dos grupos políticos anteriores (Justiça e Polícia).

E nada.

Bem pouco tempo após eleito, quando parecia ser incapaz de passar do palanque, e fazer a transição e enfim, governar (como no caso da merenda que chegou quase no segundo semestre do ano letivo de 2017), eu disse que Rafael parecia aquela criança que ganhou um brinquedo inesperado, e não sabia o que fazer com ele.

Seria mais fácil "perdoar" Rafael se fosse só isso.

A bem da verdade, não foi só uma questão de incompetência, ou da pueril "incapacidade" de sair do gabinete (na versão atual da mídia para explicar o fracasso de seu prefeito de estimação).

Foi uma direcionada escolha política, que continha em seu bojo:

Severidade fiscal e de arrocho social, desmonte dos serviços públicos, insensibilidade anti-política, enfim, uma espécie de mini-governo federal.

Com este desempenho, Rafael Diniz é sério candidato a virar ministro.

Que seja, e ele, que de anjo ou santo nada tem, que vá para bem longe tocar a sua trombeta do Apocalipse.





 



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quem faz a fama, deita na ca(â)ma(ra)? Um breve momento na Gaiola das Loucas!

  Algo vai muito mal quando juízes e policiais protagonizam política, e pior ainda, quando são políticos que os chamam para tal tarefa... Nã...