segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Santa estupidez, Batman!


Trump, o verdadeiro Coringa?



Cesar Romero como Coringa.




 Quem tem um pouco mais de 14 anos como eu, e conhece a mitologia dos quadrinhos estadunidenses, e/ou acompanhou as montagens cinematográficas recentes do Batman que têm como subtítulo Cavaleiro das Trevas (Dark Knight, livremente inspirada na série de quatro fascículos impressos, graphic book, de Frank Miller), vai ter mais facilidade de entender as associações deste texto.

Porém mesmo que não tenha interesse por esta cultura pop, poderá, ao ler, enxergar que a questão que emerge da recente eleição dos EUA ultrapassa em muito a boa e velha divisão do mundo em bandidos e mocinhos, narrativa tão cara à da mídia comercial, ela mesma coadjuvante que se debate todo o tempo para roubar a cena principal nos eventos da História.

O filme de Christopher Nolan, com Christian Bale no papel principal, secundado pelo insuperável Heath Ledger como Coringa, os limites do surrado argumento de que o vigilantismo se justifica pelo grau de maldade oposto pela vilania alcança outro nível de sofisticação.

Várias interpretações do filme ganharam corpo, e por certo nenhuma delas conseguirá apreender por completo qualquer mensagem política subliminar, porque seus criadores sempre responderão com o óbvio: trata-se de entretenimento.

Fato.

Mas se ideologizar a chamada "arte" é um "erro" (não na minha opinião), deixar de historicizá-la é outro ainda maior, ou seja, as abordagens do personagem com o hilário Cesar Romero como Coringa, e Adam West como Batman, até a mais recente com Joaquim Phoenix, possibilitam uma leitura correspondente do momentos históricos onde estão inseridas.

A mídia, no entanto, parece incapaz de sair da década de 50/60, e segue na repetição da reificação do pânico comunista na esquerda (?) pré keneysiana.

Como sabemos, a atual reexibição de antigos medos é patrocinada pelos empresários dos conglomerados globais de comunicação, e aproveitada pelos Cruzados do Reino de Q Anon, ou a Ordem de Steve Banon.

Foi justamente nos EUA, santuário dos sabujos da mídia (teve até um tal de Waack que ficou conhecido por "aconselhar" a CIA, em passado recente), que o universo pareceu mostrar suas entranhas mais assustadoras, como a boca do precipício, bordas de algum  buraco negro.

Não senhores e senhoras, os EUA nunca foram e nunca serão uma Democracia.

Não senhores e senhoras, Democracia e Capitalismo nunca caberão no mesmo espaço ao mesmo tempo.

Não, senhores e senhoras, o Capitalismo não é um sistema harmônico e pontuado por crises cíclicas, que podem ser superadas por algum tipo de racionalismo democrático ou institucional, que tornam suas estruturas melhores e melhores, ao mesmo tempo que nos melhora com ele.

É justamente o contrário.

A piada última da mídia, digna de Coringa, contada pelos lacaios da mídia foi a suspensão ou interrupção de Trump pelas redes nacionais de TV nos EUA (hoje chamada de "cancelamento" pelos mais jovens), enquanto ele vociferava contra as chamadas "instituições".

(risos).

Ora bolas, e quem deu espaço para o "clown sombrio" falar durante quatro anos barbaridades ainda piores?

Silêncio.

Nossos valorosos jornalistas tentaram nos dizer que um sistema político onde barões de mídia decidem quem, quando e o que será dito é a "normalidade".

(risos).

Junto com esta piada ruim, contam outra: 

Trump é um ponto fora da curva, um resultado de maus humores eleitorais, e alguns arriscam até a dizer que foram as "causas identitárias" que nos trouxeram até aqui, pois cristalizam ódios que alimentam o monstro autoritário.

Uma dupla mentira e perigosa.

Sim, os movimentos autoritários (do Capitalismo) instrumentalizam e fomentam seus ódios a partir das plataformas de luta setoriais (identitárias), sendo que elas mesmas têm muita dificuldade em enxergar a totalidade do quadro onde estão inseridas.

Mas responsabilizar o oprimido pelo aumento da repressão e da violência sofrida é como negar a quem tem fome o alimento, para incentivá-lo a enfrentar as causas estruturais e anteriores da sua carência imediata.

Ou seja, senhoras e senhores, a responsabilização pela escalada violenta e autoritária não é de negros e mulheres que não conseguem ir além nas suas pautas, mas sim daqueles que usam essa miopia para aumentarem o alcance e o poder de suas ferramentas autoritárias para manterem o poder (capitalista), até porque o sistema (capitalista) que desejam perpetuar é, per si, violento e excludente, seja com negros, mulheres, gays, pobres, e todos aqueles que não sejam donos do capital.

No filme, o Coringa tenta mostrar aos outros vilões (mafiosos, e suas facções) que ele é a única arma possível (caos) para combater a chamada "normalidade", onde um morcego restaura e mantém a "ordem" (que ordem?), e enfrentou a descrença e resistência deles porque todos estavam atados a ordem "normal", quando o crime tem por causa a demanda por dinheiro, funcionando como um sistema paralelo e marginal à "normalidade", cujo combate era dado pelo morcego mascarado, que entendia esta relação de causalidade (crime e dinheiro).

O Batman é então um remédio que só surge como resultado de um sistema geneticamente distópico, onde tanto se ganha dinheiro matando pessoas por inanição, guerras, interesses geopolíticos, quanto pela atividade violenta (strictu sensu) criminal.


Assim como o Coringa só faz sentido em uma (des)ordem onde um justiceiro vestido de morcego é aceito, e necessário diga-se, (serão as nossa togas?) Trump é a encarnação da face mais realista do modelo implantado com maior sucesso nos EUA, que tem por "lógica" a concentração brutal de riqueza, enquanto outros bilhões permanecem excluídos da menor chance de subsistência.

Isso não é uma loucura? 

Pois é...

O Coringa, Trump, Hitler, Mussolini, Bolsonaro, Franco, Salazar, Generais, etc, são a sincera expressão do funcionamento de uma sociedade que tem como normal a manutenção de uma "ordem" sempre injusta e caótica!

Todo o sistema chamado de institucional, todas as formas de representação, todas as formas de sociabilidade estão subordinadas à este tipo de "darwinismo social totalizante".

Os ingênuos (e outros tantos cínicos) imaginam que algum Comissário Gordon ou Alfred (que bem poderiam ser vividos por Joe Biden) poderão, com suas noções de ética democrática, superar a essência caótica do Capitalismo, ajudados por um mascarado vestido de morcego, ele mesmo portador de suas próprias regras.

Neste sentido, a maquiagem sempre bizarra do palhaço assassino seria sempre tão ou mais crível que a máscara do morcego, pois se ele simbolizaria que a luta pela justiça acontece nas sombras, de forma anônima, pois a luz do dia o Estado de Direito está podre, o mal encarnado pelo Coringa é sempre apresentado como uma distorção, uma disfunção quase lúdica (cômica), mas ainda assim letal.

Não é tão simples assim.

Batman é a noção vingativa da justiça, que procura algum vínculo de causalidade entre o que faz, e o que o move (código moral),  que sempre esbarra em algum tipo de limitação para realizar-se completamente (Batman não mata, nem usa armas de fogo), o que na sociedade estadunidense armada até os dentes, e legatária do seu mito fundador, o Far West o transforma em uma exceção paradoxal e...falsa.

Como falsas são nossas instituições de Justiça e todo o resto que buscam algum tipo de justiça ou representação isonômica (chamada de "igualitária"), porque residem e se significam em um sistema sempre hierárquico e injusto.

Por isso Batman não faz qualquer sentido (como a Justiça que ele diz encarnar), a não ser como um complemento do Coringa, e não como causa dele, como a história do personagem busca mostrar em todos os filmes e publicações.

O Coringa é em si o mal (caos capitalista), e neste caso, a única instância prenhe de algum sentido, justamente porque não faz sentido algum.

Por isso as traquitanas do Batman necessitam roupagens e atualizações permanentes (tecnologia) para métodos que não acompanham-nas (o vigilantismo é o mesmo de 1960), enquanto o palhaço e seu repertório mantêm a mesma simbolização (maquiagem), alterando sua morbidez mais ou menos sombria com a época histórica, mas inalterada em sua essência, seja com Cesar Romero, seja com Heath Ledger.

Ah, em tempo:

Desistam, os democratas não são os mocinhos ou a Liga da Justiça.



  



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