segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Lula, uma das apostas do capitalismo em 2022.

 Vamos colocar a pelota no chão, com dizem os boleiros.

Para quem acompanha a política nacional, e tem mais de 45 anos, esta história de associar PT à comunismo, aqui entendido como sinônimo de algum extremismo, ou de colocar Lula em algum espectro político mais à esquerda, eu vos digo:

- Tudo isso é uma tremenda tolice!

Ainda com o balão de couro correndo pelo quadrilátero de relva, insisto em dizer que o líder petista, em quem votei em todas as eleições desde 1989, e seguirei votando, representa uma tradição política inscrita na tentativa vã de alguns setores do capitalismo nacional, e da intelligentsia associada a este setor, junto a outros setores de movimentos sociais e culturais, de construírem de algum tipo de welfare state.


Via de regra, este embate entre os ciclos liberais e os ciclos de bem estar-social aconteceu no mundo todo, com mais ou menos intensidade, e com mais ou menos ruídos e atritos sociais, dependendo de cada contexto histórico, locus capitalista, seus estágios de amadurecimento, etc.

Pequeno comentário:

Outro erro é chamar o ciclo liberal de não-intervencionista, já que nestes ciclos a intervenção econômica estatal é dirigida à sustentação dos chamados "equilíbrios fiscais", que na verdade se dedicam a manutenção das políticas monetárias restritivas para favorecimento do setor financeiro. Não há, neste sentido, capitalismo sem intervenção estatal, ou seja, sem Estado.

 A esquerda mundial, com raras exceções, sempre esteve ocupada em reformar aquilo que é irreformável, o capitalismo, e como um cachorro (neste caso cachorra) atrás do rabo acreditou que ganhar o controle administrativo do Estado capitalista lhe garantiria a chance de acabar com este Estado (capitalista), e assim rumar ao Estado Socialista.

(risos)

Claro que suas inclinações humanistas (corretas, aliás) a mantêm neste barco reformista, porém, mesmo assim, o fato é que todas as tentativas institucionais da esquerda em avançar com uma agenda tímida de estruturação do modelo capitalista em bases menos desiguais encontrou severa oposição das elites locais (as elites nacionais), que se associam entre si globalmente, obedecidas, por óbvio, as cadeias de hierarquias e subordinações entre elas, tudo isso dos pontos de vistas geopolítico e geoeconômico.

E não tomemos apenas como exemplos vulgares os golpes cívico-militares, comuns às chamadas repúblicas das bananas, e àquelas similares na África e todas as regiões pobres do mundo, como Sul da Ásia, ou Oriente Médio.

Estes movimentos chamados de reacionários agem igualmente nos países ricos, e se diferem apenas pela aparência mais (ou menos) "civilizada", enquanto têm o mesmo objetivo de frear qualquer ameaça à pauta liberal-global.

Carregam mais ou menos conteúdo violento de acordo com cada contexto histórico, mas a violência simbólica poderia ser  considerada bem semelhante em todos os casos.

Ao mesmo tempo, estes movimentos reacionários globais, que se diferem em mais ou menos violentos em cada sociedade onde habitam e militam, querem nos fazer crer ser possível que as suas ações sejam (ou possam ser) parecidas (e civilizadas) em todos os cantos do planeta, criando as figuras semióticas conhecidas como "valores universais".

Assim, "vibramos" ingenuamente quando os sistemas de freios e contra-pesos constitucionais funcionam nas instituições do mundo rico, reivindicando provincianamente que se dão certo lá, darão aqui.

"Liberdades de expressão e de imprensa", "liberdade de gênero", "igualdade racial", "democracia", "equilíbrios entre poderes", "cultura e educação", "honestidade", etc, etc, etc.

Slogans produzidos e disseminados para que acreditemos que o mundo capitalista pode levar a todos estas conquistas, e que a ausência de tais pressupostos em cada sociedade advém de anomalias inerentes a cada sociedade, como defeitos incuráveis ou problemas de "caráter".

Aqui uma pausa:

Este sentimento, popularmente conhecido como síndrome de vira-latas, é uma das sementes da chamada "luta contra corrupção", que alçou o moralismo à categoria de ferramenta política de maior relevo.

A História nos mostra que não é bem assim, pois os "defeitos" do capitalismo, muito mais que seus slogans, estes sim são universais.

Exemplos?

A ascensão nazi-fascista na Europa entre-guerras, com apoio de TODAS as elites europeias.

O macartismo estadunidense dos anos 1950, descambando para a brutal repressão policial-militar dos movimentos negros e anti-guerra na década de 60, que por suas vezes, chegaram até o governo de Ronald Reagan.

Todos estes fenômenos tiveram, uns mais, outros menos, o auxílio de aparatos policiais-judiciais, seja nas audiências "anticomunistas" no Congresso dos EUA (1950), seja na guerra às drogas dos EUA (anos 70/80), este último fenômeno que possibilitou a criminalização da pobreza (negra e latina, em sua maioria), e portanto, interdição de qualquer chance de vocalização de insatisfações políticas destas classes menos favorecidas.

Na GBR, a seu termo, tivemos a dura repressão de Tatcher aos movimentos sindicais (70/80), tendo como bodes expiatórios os movimentos separatistas de então (Escócia e o mais contundente na Irlanda, leia IRA).

Na Itália, tivemos a Operação Mãos Limpas, que mergulhou a Itália em um período de instabilidade que dura até hoje, com destaque para a Dinastia Berlusconi, nascida no vácuo anti-política criado pela judicialização partidária italiana (lawfare).

Na península Ibérica, as ditaduras de Franco e Salazar (Espanha e Portugal).


Enfim, qualquer pessoa de bom senso, que não esteja contaminada pelo vírus da imbecilidade, ou pelo cinismo, sabe que a esquerda mundial nunca ameaçou as estruturas capitalistas, nem quando chamou sua chegada ao poder de revolução socialista.

A então URSS, ou a atual China, nunca poderão ser enquadradas, tendo Marx como parâmetro, em economias socialistas, já que as estruturas de organização de produção capitalistas estão (e estiveram) intactas.

Sabemos que tais experiências tentaram apenas planificar as demandas e ofertas (mercados), enquanto no campo cultural-político amarravam as expectativas da população de acordo com esta planificação, enquanto mantiveram idênticas às formas de organização sócio-econômica do trabalho.

Sabemos que mercado e capitalismo são gêmeos siameses que não podem ser separados.

Então, China, URSS e etc, apesar de enorme avanços em alguns setores, como bens de capital e infraestrutura, que reagem bem à planificação centralizada (como o Brasil de 1970), encontraram enormes obstáculos na satisfação dos bens de consumo, pois apesar das aparentes "igualdades" sociais, as estruturas de produção eram as mesmas (capitalistas), e seguiram criando um outro tipo de desigualdade "planificada", que uma hora ou outra iria explodir  (como aconteceu) diante das limitações  e frustrações individuais que eram soterradas no fechamento político.

A China entendeu isso em 1989 (com as enormes manifestações celebrizadas na Praça da Paz Celestial), e liberou parte considerável de seu mercado, readquirindo a dinâmica capitalista, alimentada por um bônus demográfico permanente.

Tudo isto foi dito para dizer o seguinte:

Lula é uma das apostas do mercado e do capitalismo para 2022.

Parece estranha a hipótese, mas é bem factível.

O comportamento de Lula frente às injustiças sofridas, bem diferente do que fizeram Evo Morales, Rafael Corrêa, ex-presidentes da Bolívia e Equador respectivamente, e até mesmo do clã dos Kirchner na Argentina e Maduro na Venezuela, revela um grau de "confiabilidade" de que por aqui não haverá rupturas sociais tão traumáticas que nos países vizinhos.

Outro tensionamento que deve ser citado é o do Chile, onde as chamadas lideranças tradicionais "de esquerda" parecem ter perdido o controle a conexão com os protestos, que insistem em negar ao governo do direitista Piñera a menor possibilidade de retomar a governabilidade.

A vitória possível do grupo político de Evo Morales, e a candidatura de Corrêa à vice presidência (ainda sub judice), bem como a ferrenha resistência de Maduro, e a volta de Kirchner, sem que nenhum destes reconheçam ou tenham se submetido aos processos judiciais onde estão vinculados pelo lawfare de seus países (modelos importados dos EUA, e do Brasil), revelam um enfrentamento necessário (e possível).

Este enfrentamento que foi ignorado por Lula, que como cordeiro a ser imolado em sua crença sacrossanta de ser um tipo de "messias", quando ele aceitou e se entregou aos seus sequestradores.

Ao mesmo tempo, é esta obediência que o torna tão confiável.

Não faço aqui um julgamento de valor destas táticas, até porque cada líder envolvido terá informações que todos nós não temos, tanto no campo das ações táticas e estratégicas, e do capital político acumulado, mas principalmente no campo dos resultados.

No entanto, se a volta da espiral capitalista está chegando ao limite da capacidade das populações em aguentarem os arrochos impostos, com a total degradação dos tecidos sociais envolvidos, e se há ainda algum sopro de interesse (e força) dos capitais chamados produtivos de manterem alguma aparência institucional e de civilidade (e tenho sérias dúvidas a este respeito), podemos sonhar que se aproximaria a hora de permitir alguma agenda social com garantias individuais (pautas identitárias de direitos humanos).

A questão crucial nem é mais se os setores produtivos se opõem a agenda social (welfare), mas se há alguma força  nestes setores, e na debilitada estrutura política que foi arrasada pela não-política financista e dos algoritmos, para apoiarem algum tipo de governo reformista.

Eu tenho a suspeita que não há mais.

Se Lula ou qualquer outro líder chamado "de esquerda" imaginam alguma chance de repactuarem os acordos políticos com dos diversos atores nacionais e internacionais rumo à "humanização" capitalista, esqueçam.

O capital transforma o humano em mercadoria, mas é impossível, neste mesmo capitalismo, humanizar aquilo que foi mercantilizado.

Quero estar errado. 

Melhor dizendo: Preciso estar errado.

Mesmo assim, Lula, pela sua resiliência e subordinação à crença dele em si mesmo, de que veio para "unir" os brasileiros, é uma das apostas do cambaleante e moribundo capitalismo em 2022.

Resta saber se sobrou algo para fazer alguma coisa.




  






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