quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

"A cidade não para, a cidade só cresce, o de cima sobe, e o debaixo desce" (Chico Science in A Cidade).

 





Acho que as ilustrações do Genildo, aí em cima, e do Angeli lá embaixo, são auto-explicativas.

Porém  não custa nada acrescentar alguns pleonasmos à estas poderosas narrativas gráfico-visuais.

O prefeito eleito e recém empossado da cidade de Campos dos Goytcazes cumpre seu roteiro com exatidão e monotonia:

Diz que encontrou tudo arrasado, que lhe resta pouca margem para manobras mais ousadas, e conclama todos ao trabalho árduo, sacrifícios, e claro, ao consenso (chamado de "Paz").

Sabemos todos que estes métodos estão mais para construção de "Pax" a verdadeira pacificação ou  melhor dizendo, na busca por uma diminuição dos conflitos advindos da desigualdade.

O problema central da lógica (?) do prefeito e do seu grupo político, que mais parece uma reedição piorada das gestões de sua mãe, com cacos e escombros da gestão anterior (muito por força dos acordos no Legislativo, é verdade), é que a desigualdade em si não lhes incomoda, pelo menos não a ponto de provocar neles qualquer tentativa de diminuir tal flagelo social.

As medidas compensatórias limitam-se a colocar band-aids em hemorragias.

Já dissemos em outros textos que a tese de que 20 bilhões de reais em orçamento foram desperdiçados é uma tolice, e que por certo, qualquer análise acadêmica, superficial que seja, nas curvas de concentração de renda e pauperização, ou até de uma simples investigação nos cadastros imobiliários da prefeitura em sua base de arrecadação do IPTU, vão revelar o tamanho do abismo cavado com a força de 20 bilhões.

Estranhamente nenhuma universidade ou nenhum analista de desenvolvimento regional (essa piada conceitual de péssimo gosto) se debruçou sobre este tema.

Estranho não?

Pois é.

Então, a cantilena da "crise", da falta de recursos, etc, e etc, podem até conter uma parte da verdade, o que na realidade ajuda mais a torná-la uma mentira inteira.

Sem uma dramática alteração na base de arrecadação tributária da cidade, com a distribuição do ônus maior aos que mais podem arcar com ele (os mais ricos), justamente aqueles que foram os maiores beneficiários do "desperdício" (risos) dos royalties, pouco ou nada a prefeitura poderá fazer.

Principalmente porque este não é um fenômeno local, embora eu até gostasse de colocar toda a culpa nas costas dos grupos políticos e seus sócios que sugaram os orçamentos públicos até as últimas gotas.

Este é um processo global e amplo, quando o que resta de capitalismo de terceira revolução industrial possivelmente vai prescindir de largas multidões de trabalhadores e sub-trabalhadores, com realinhamento dos centros restantes de manufacturas em novos arranjos locais (geografias), que por suas vezes terão que oferecer tamanha exploração das forças laborais residuais que nem se saberá ao certo se vale mais a pena manter tais empregos.

Para quem deseja uma visão do que falo, olhe bem para o Sudeste Asiático e Oriente Média, ou a África.

Vou dar um exemplo, que também serve aos moralistas:

Há um surto de produção, tráfico e abuso (dependência) de metanfetaminas no Sudeste Asiático, Indonésia e arredores, causado pela demanda dos trabalhadores que cumprem 18 horas de trabalho, para obterem um pouco mais de recursos para somar rendas que não ultrapassam 10 dólares por dia.

Metanfetaminas são drogas que mantêm seus usuários em alerta, sem sono, fome ou fadiga.

Não é difícil imaginar que recaem sobre as prefeituras e governos locais todas as demandas de saúde, transporte, segurança, enfim, de toda as infra-estruturas necessárias para suportar estes arranjos produtivos que exaurem trabalhadores, que depois se amontoam nos hospitais, cadeias e transportes públicos.

Seja no Norte Fluminense, seja em Hong Kong.

No caso da cidade de Campos dos Goytacazes, com pouca ou nenhuma dinâmica econômica, e dependente exclusivamente das receitas públicas e dos salários dos servidores que sustentam o consumo e o terceiro setor (comércio de bens e serviços), seria engraçado, caso não fosse trágico, ouvir e ler os discursos de empresários e da classe política dirigente fazendo a população crer que poderão instalar dinâmicas produtivas aqui, e que tais arranjos serão capazes de dotar a cidade de certa autonomia econômica.

Mesmo que isso fosse possível, a instalação destas estruturas por si mesmas não garantiriam nada, senão mais e mais desigualdade e pressão nos serviços públicos, caso fossem mantidas as estruturas tributárias atuais.

Simultaneamente é também cômica a tentativa de apertar ainda mais o garrote sobre os bodes expiatórios preferenciais: os servidores públicos.

O servidor é uma espécie de Geni, boa de xingar, boa de cuspir.

Uma cidade que vive de comércio e quer retrair ainda mais a principal base de consumo parece suicídio. 
E é.

Em pouco tempo, o novo prefeito vai ter que enfrentar outro grande problema.

Sem reajuste há anos, o equilíbrio autuarial previdenciário, que já é quase uma ficção, vai desabar de vez, pois sem aumento das receitas do PreviCampos, já que os servidores que acumulam perdas pagam menos ao fundo, o buraco previdenciário aumentará cada dia mais.

Certas verbas do Governo Federal exigem a certidão de regularidade previdenciária (autuarial), e em breve Campos dos Goytacazes a perderá.

Já aconteceu na cidade vizinha Macaé, inclusive com judicialização da questão para responsabilização do gestor.

Você me perguntará, como fazer?

Eu te respondo fazendo outra pergunta:

Para onde foram a maioria dos recursos de royalties recebidos?

Não, não responda com "desperdício" ou "desvio".

Vamos tentar criar uma ilustração de texto:

Imagine 20 bilhões de litros d'água.

Essa água estava em uma grande cisterna, que enchia todos anos.

Deste cisterna havia dutos da espessura de uma garrafa "PET" que irrigava as casas dos mais pobres, enquanto para as casas dos mais ricos os dutos tinham 2 metros de diâmetro.

Claro que todo este sistema tinha vazamentos no caminho, mas certamente você será capaz de imaginar que o vazamento não é o principal problema, mas sim a distribuição.

Então, está na hora de mudar este sistema de distribuição e fazer com que aqueles que tiveram maior abastecimento, agora paguem a conta dos danos causados por esta desigualdade.

A única chance, e remotíssima, de minorar ou mitigar os danos das alterações estruturais que estamos sofrendo não é com as receitas criminosas de aumento de incentivos fiscais, retração salarial de servidores e cortes em programas sociais.

Ao contrário, é permitir a municipalidade, através do confisco das riquezas concentradas, de adquirir bens e serviços e aumentar o poder de compra dos servidores, criando uma demanda local capaz de dar algum fôlego, ainda que temporário à cidade.


Caso contrário, o desenho aí de cima vai ganhar contornos cada vez mais trágicos e reais.



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